domingo, 20 de maio de 2012

Resenha sobre o livro “A Arte de Restaurar Histórias”



No curso da disciplina Teorias e Tècnicas Psicoterápicas, ministrada pela Profa. Patrícia Lima, a querida Ticha,  nós tivemos uma introdução aos princípios de algumas técnicas utilizadas na prática clínica, e dentre estas, a Gestalterapia. Nos foi proposta a leitura do livro de Jean Juliano, “A Arte de Restaurar Histórias”, uma reflexão sobre a experência da autora em anos de prática psicoterápica utlizando as técnicas da Gestalterapia, com o intuito de tentar responder a pergunta: O que é ser terapeuta?

Já no título da obra podemos perceber que, segundo a autora, o papel do terapeuta é restaurar histórias individuais esfaceladas e/ou incompletas, desordenadas, utilizando técnicas que priorizam o diálogo e a interação cliente/terapeuta – o contato, um dos conceitos apresentados pela Gestalterapia – no espaço criado na terapia.
  
Interessante observar que a autora faz uma analogia do trabalho de psicoterapia com elementos da vida diária normalmente muito significativos, como cozinhar ou costurar uma colcha de retalhos, aproximando assim a atividade terapêutica da vida quotidiana, e não algo “estranho” ou excepcional da vida do sujeito, ou uma atividade que não deva ser discutida. Esta analogia faz muito sentido, pois somente através da própria experiência do fazer, do estar presente por inteiro em tais atividades é que se consegue “terminar” o trabalho e formar uma coisa nova, uma nova imagem, uma nova forma, com as “partes” iniciais, a princípio desconexas e sem sentido.
  
Entendemos que, de acordo com a autora, o ofício do psicoterapeuta é “resignificar”, dar novo sentido para a história pessoal dos indivíduos. Para Jean, a tarefa do terapeuta é olhar para os “retalhos de histórias” que são trazidos para o espeço da terapia e recompô-los, reorganizá-los, “ensaiar novas percepções e dar outras perspectivas” às questões levantadas pelo cliente.

Para a autora o psicoterapeuta é um “guardador de histórias” que são postas em sua guarda nos momentos em que o cliente não tem espaço “ou possibilidade de permanecer com elas em um determinado momento”, até que o cliente esteja pronto para levá-las consigo novamente e então transformá-las em algo diferente, novo e que faça sentido na sua vida.

Ao discutir o processo terapêutico, a autora afirma que “o processo de crescimento e expansão da consciência é, em parte, autônomo”,ou seja, só se concretiza a partir de um esforço do próprio indivíduo, e só por ele pode ser levado a cabo. Mas é muito importante saber que o espaço terapêutico existe e está ali para auxiliar-nos, guiar-nos rumo a esse crescimento, através da possibilidade de fala do cliente e da escuta atenta do terapeuta. Jean vem nos dizer que “cabe ao psicoterapeuta e ao cliente aprender a dar pasagem, a compreender e cooperar com esse processo.” Este ponto é muito importante para o entendimento do que é ser terapeuta, pois esta acolhida de olhos e ouvidos atentos ao mundo apresentado pelo cliente na terapia é o real “retornar as coisas mesmas” e estar inteiro no momento presente que nos fala a base fenomenológica da gestalterapia, o próprio conceito de contato e de “estar no mundo”. Ao adotar uma postura atenta, curiosa, aberta à  “novidade do mundo”, o terapeuta se coloca como um acompanhante ou guia de uma jornada pessoal do cliente,muitas vezes dolorosa e sofrida, a qual seria muito árida se atravessada sozinho.

Vemos então que, como bem coloca a autora, que o trabalho em Gestalt representa uma postura diante da vida, pois essa interação que acontece no espaço terapêutico não é exclusividade do mesmo, e nem poderia ser, pois o gestalterapeuta tende a levar sua maneira de entender o mundo, de se colocar em contato com “a pessoa do outro na sua singularidade, sem pré-concepção de qualquer ordem” A terapia pode então ser entendida como um processo contínuo onde homem e mundo se transformam.

 
A técnica do trabalho em Gestalterapia: 

A autora apresenta alguns pressupostos básicos para a eficiência do trabalho com a Gestalterapia, uma linha de terapia clínica de cunho fenomenológico-existencialista, que utiliza conceitos da Gestalt, como a Lei da Boa Forma, para entender a percepção.  Segundo essa lei, a nossa percepção tenta organizar “as figuras”, ou partes de uma figura da melhor forma possível. A Gestalterapia “toma emprestado” esse conceito e vai dizer que não somente nossa percepção acontece assim, mas também as experiências da nossa consciência e nossos fatos psíquicos, ou seja, tentamos organizar a nossa experiência de “estar no mundo”  da melhor forma possível.
 
Portanto, a Gestaterapia enfatiza a percepção sensorial e o fluxo e direção da energia corporal, onde o terapeuta procura focar sua atenção para o momento da troca com o cliente, analisando sua postura, seu ritmo respiratório, a situação psicológica do momento vivido, assim como também suas vivências anteriores. Deve ter sua atenção centrada no conteúdo relatado, mas também em como o cliente se narra (foco duplo), pois “o foco do trabalho reside na estrutura da experiência, no como da interação em processo”.

É importante também observar que o objetivo do trabalho em Gestalt é restaurar a qualidade do contato do indivíduo com o mundo, daí a importância da criação de um contexto adequado para a terapia. O terapeuta deve criar condições para que o cliente experimente novas maneiras de perceber o mundo, e que possa ensaiar novas formas de diálogo. Isso pode ser alcançado através da utilização de alguns “experimentos”, que são atividades propostas na terapia com objetivo de aumentar a “awareness” do cliente perante as situações trazidas ao foco do processo terapêutico.

Para que tais “experimentos” e resignificação das experiências sejam possíveis, é fundamental o suporte pessoal do terapeuta, que deverá estar aberto ao trabalho da terapia tanto quanto o cliente, e colocando sua energia disponível para este processo. Isso implica em uma presença de qualidade da parte do terapeuta, uma “atitude descontraída e atenta”, para que possibilite a “observação do fenômeno tal e qual ele se apresenta, e é, mais do que aquilo que foi ou que poderia ser.”

A autora nos diz que “a escuta interessada do terapeuta é curativa por si só”, e com isso podemos sintetizar a importância do trabalho do gestalterapeuta, que se apresenta como ouvinte interessado e atento, um facilitador para as que as transformações em curso no trabalho psicoterápico se dêm da forma mais significativa e eficiente possível. Pensamos que ser terapeuta, como nos diz Jean, é ser um mestre na arte de restaurar/resignificar histórias, sempre lembrando que ao estarmos ali, em contato com uma pessoa humana, somos só outra pessoa humana, e a qualidade desse contato é a matéria mesma de que a vida é feita.


Sites interessantes sobre Gestalt e Gestalterapia:

Link para o livro de Franz Perls, "Gestalt-terapia Explicada", no Google Books
Instituto de Gestalterapia, Rio de Janeiro, RJ
Psicologia e Saúde, O que é Gestalterapia
Gestalt em Movimento, Maringá, PR



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