terça-feira, 12 de julho de 2011

Para que a Psicologia?


No post anterior a este (aí de baixo), tentei responder a esta questão com uma visão bem pessoal da finalidade do estudo da Psicologia para mim. E discuti brevemente sobre as tentativas de resposta com as quais nos deparamos ao longo de nossos estudos nas várias disciplinas deste primeiro semestre na Universidade, sem, no entanto, ousar uma tentativa de resposta “acadêmica” a esta polêmica questão. Mas acho que agora essa “ousadia” se faz necessária!

Desde a nossa primeira aula, de História da Psicologia, com a Prof.ª Ana Cristina (que, no final das contas foi só a primeira aula, pois a Ana acabou “virando” o Roberto!) ouvimos que “a psicologia tem um longo passado e uma curta história”, e que a função do psicólogo é “produzir subjetividade”, que deveríamos ler um texto chamado “O que é a Psicologia?” (Georges Canguilhem) e que leríamos muito Foucault. Opa!! Logo pensei, isso aqui é diferente, é “uma outra parada”! 

 Foi uma agradável surpresa perceber que a minha formação não seria, exatamente, “convencional”, e isso ficou claro desde o início do curso.  Ficou claro também que a proposta de ensino do Curso de Psicologia da UFF em Rio das Ostras seria bem interessante. Professores jovens, sem aquele “ranço professoral autoritário” tão comum nas universidades, principalmente nas que eu frequentei (ambas católicas, diga-se de passagem). Os nossos sentam no bar pra tomar uma cervejinha e discutir filosofia, psicologia, arte, música, o que der na telha, com os alunos... Nos oferecem uma abordagem de temas e autores bem contemporâneos, com a preocupação com uma formação mais crítica, com a ideia de ensinar a pensar... Professor com tese sobre capoeira e psicologia da aprendizagem, professor especialista em cinema, outro tentando nos mostrar que existem alternativas em informática (mais livres, democráticas e abertas) além das grandes corporações, e  que podemos pensar nossas práticas de uma maneira diferente do que é considerado “mainstream”...  Tudo isso me surpreendeu e encantou muito.

Ficou bem claro para mim, através das leituras dos autores citados no outro post, que a ideia da Psicologia como uma ciência una, a tal que busca desvendar os mistérios da alma humana (a scientia de anima que, pretensiosamente, dá nome a este blog) é uma ilusão. Não existe uma só Psicologia, e os estudiosos dessa complexa área estão sempre buscando a melhor maneira de explicar o que fazem exatamente.  Como nos diz Garcia Roza,
 “a psicologia, desde que surgiu, tem estado às voltas com o problema de sua justificação”.
O princípio délfico, gnōthi seauton, ou nosce te ipsum - Conhece-te a ti mesmo

Ao nos defrontarmos com as ideias de Foucault sobre uma visão genealógica da história e das ciências humanas (conforme abordado em um post anterior aqui no scientia de anima), percebemos a importância de termos uma leitura múltipla dos acontecimentos do mundo e de onde eles nos levam. Aprendemos que para ser ciência a Psicologia teve que trilhar um árduo caminho de negação da “anima” primordial e da filosofia que a viu nascer. Refletimos sobre como a psicologia, herdeira da tradição grega do cuidado de si, das práticas de si, precisou tornar-se busca pelo conhecimento (“conhece-te a ti mesmo”), e como
 “Ao perseguir o ideal de rigor e de exatidão das ciências da natureza, ela (a psicologia) foi levada a renunciar aos seus postulados”. (Michel Foucault, “A Psicologia de 1850 a 1950”, 1957)

Psicologia, dispersão do saber
E aprendemos que foi através da sua fragmentação, da sua dispersão em muitos saberes que a Psicologia conseguiu achar o seu caminho e se tornar o que é hoje, essa multiplicidade de teorias, conhecimentos e práticas que buscam entender o homem na sua totalidade física e psíquica.

Foi um grande desafio desvendar os escritos de Nietzsche, ter que ler Kant e entender porque ele “vetou” a psicologia como ciência, apesar de reconhecer seu valor como disciplina, desde que experimental.  Tentar entender como a Psicologia, de “a mais útil de todas as ciências” passou a ser “não suficientemente ampla e sistemática”. Cito abaixo os dois trechos onde me deparei com essas ideias, à primeira vista tão contraditórias:
“(...) sem o conhecimento da natureza, das faculdades, qualidades, estados, relações e destinação da alma humana, nós não podemos julgar nem decidir sobre nada, nem determinar nada, nem escolher, nem preferir nada, nem fazer nada com segurança e sem erro. Assim, a psicologia é a primeira, a mais útil de todas as ciências, a fonte, a fundação de todas e o guia que conduz cada uma delas.” (Mingard, 1770-1775: 511-513)
Adorei essa, acho que vou colocar como apresentação do blog! Mas aí, olha o que nos diz ilustríssimo filósofo de Königsberg:
“A razão pela qual a psicologia foi situada no interior da metafísica é evidentemente a seguinte: ninguém nunca soube realmente o que é a metafísica, apesar de ter sido por tanto tempo objeto de muita explanação. Não se sabia como determinar as fronteiras de seu território e por isso muito do que nele foi posto não era cabível [...]. A segunda razão era evidentemente esta: a doutrina empírica dos fenômenos da alma não tinha chegado a qualquer sistema que pudesse constituir uma disciplina acadêmica separada. Se ela fosse tão extensa quanto a física empírica, então ela teria sido separada da metafísica. Mas sendo muito pouco extensa e como não se quis descartá-la inteiramente, empurraram-na para a metafísica [...]” (Kant, 1968: 223-224)
Hã??? Como assim?? Lá vai a Psicologia tentar de todo modo ser física para ter um lugar entre as ciências... E aí descobrimos Wundt, para quem a subjetividade não é uma substância separada da experiência, para quem “não somos nada fora da experiência” e que procura, então, nela, o seu objeto, mas com uma abordagem sistemática e lógica (método descritivo e comparativo), trazendo a ideia da Psicologia como a ciência da consciência. Mais parecido como o que eu achava ser psicologia, mas ainda um tanto vago...

 Então, conhecemos o behaviorismo e aprendemos que esta abordagem da psicologia abdica totalmente da ideia de subjetividade, influenciada pelo positivismo (materialismo científico), pelas teorias evolucionistas e pelo pragmatismo. Entram em cena “a psicologia do ato”, onde não há realidade ou subjetividade, somente “ações”,  e o behaviorismo radical de Skinner, influenciado pelo Funcionalismo e pelas ideias de William James, entre outros,  dando ênfase ao comportamento dos organismos,  oscilando entre uma concepção mentalista da psicologia e a noção de reflexos (proposta por Pavlov), transformando toda a psicologia em análise do comportamento humano baseado numa relação entre estímulos e resposta,
 “ uma  proposta que se atém ao estudo do comportamento a partir do próprio comportamento, sem o recurso explicativo a qualquer outra entidade.”
Bem, dessa parte a anima está definitivamente excluída... E a caloura continuava sem saber, “mas afinal, o que é a psicologia?”

Princípio geral da Gestalt: O todo é diferente da soma de suas partes.
Já no finalzinho do período as coisas começaram a ficar melhores, quando fomos apresentados à Psicologia da Gestalt (ou da Forma), e aprendemos que ela significou “um retorno à experiência psicológica”, ao afirmar que a subjetividade é a base da percepção, e que “a tarefa da psicologia é dar conta da percepção tal como é vivenciada por cada um de nós”, e que “nossa experiência perceptiva é marcada por relações de sentido e de valor, e não apenas por um acúmulo de sensações.”

Diz-nos Koffka, um dos principais pensadores da Gestalt que

“Cabe à psicologia apontar o caminho onde a ciência e a vida hão de se encontrar” (1975)
Mas de todas as teorias e leituras feitas, a que mais me agradou e intrigou, que me fez pensar, foram os textos de Felix Guattari “Cultura, um conceito reacionário?” e “ Subjetividade e História”, que nos coloca a questão do psicólogo como agente de produção de subjetividade não alienada e produtor de singularização (conforme citei no outro post dessa série), de onde li o conceito mais impactante para mim neste semestre:

“A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de singularização.”

Espero que a minha formação em psicologia me aproxime da segunda vivência da subjetividade!

E aí então eu consegui dormir mais tranquila, já quase certa de que consegui descobrir o que é a psicologia: não é só filosofia, não é só metafísica, não é só sensação, comportamento, consciência, experiência, e produção de subjetividade, mas é um pouco de tudo isso, e acho que muito mais. Mas o resto dessa história eu imagino que só vou conseguir contar no segundo semestre, pois ainda há muitas teorias e sistemas psicológicos a descobrir, desvendar e refletir! Nem chegamos ao Tio Sigmund ainda... muita água vai rolar antes que eu consiga responder com clareza, afinal, para que a psicologia! Living and learning... Mas agora, deixa o meu cérebro tirar férias... Até Agosto!


Referências Bibliográficas para este post:

FERREIRA, Arthur Arruda Leal, JACÓ-VILELA, Ana Maria e PORTUGAL, Francisco Teixeira. HISTÓRIA DA PSICOLOGIA, Rumos e Percursos. Rio de Janeiro: Nau Ed., 2007.
FOUCAULT, Michel. Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. 2o Edição. Volume 1. Coleçao Ditos e Escritos. Forense Universitária. 2009
GARCIA ROZA, Luiz Alfredo. Rádice. Revista de Psicologia, ano 1, nº 4, 1977.
GUATTARI, Félix e ROLNIK, Sueli. Micropolítica – CARTOGRAFIAS DO DESEJO. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.


Um comentário:

  1. Sai dessa vida! você tá de férias...
    =)

    podia ter postado isso antes da prova do Jhonny em.

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