sábado, 18 de junho de 2011

Fiat voluntas tua

O título deste post é uma expressão latina de resignação perante um sofrimento do qual não se pode fugir. Além de expressar exatamente o meu estado de espírito atual, me pareceu muito apropriada para falar de um tema difícil, mas inexorável, pois todos sentimos em algum período de nossas vidas: o luto devido à morte de um familiar ou alguém querido.
A morte mesmo sendo comum a todo ser humano, causa muito medo, por ser a única coisa realmente desconhecida e da qual nunca poderemos escapar. Ante a essa realidade, ficamos tristes, a saudade só aumenta a cada dia, e a dor da perda parece tomar conta do nosso ser inteiramente, não deixando espaço para outros sentimentos.
Perder um pai é perder um pedaço de si. É perder momentos em família, sonhos que existiam juntos a se realizar. São inúmeras as memórias presentes na vida de cada um. A presença torna-se abstrata. A memória passa a ocupar todas as recordações. A sensação que se tem é que ele está viajando ou morando longe e em breve irá haver um encontro. O conforto para muitos de nós diante da perda de um vínculo como um pai, uma mãe, um filho, um cônjuge, é a aceitação de que nada é para sempre e que a morte talvez não seja o fim, mas sim uma nova etapa para os que se foram e para nós que ficamos.  O luto é um processo inevitável nessas situações, e deve ser vivido, elaborado, para que a paz se instaure novamente na nossa vida.
Ducati (1995), discorrendo sobre as perdas enfrentadas no desenvolvimento físico e psíquico do ser humano, ressaltou que estas poderiam ser sentidas como separação, morte real e definitiva do corpo físico, sentimento de impotência, limite e cortes no decorrer da vida. Ainda sobre a perda, Kovács (1992) observou que a morte envolve sempre duas pessoas, uma que é perdida e a outra que lamenta sua falta, sendo que o outro é em parte internalizado na memória, na lembrança numa situação de elaboração do luto. Quando essa morte do outro ocorre de modo brusco e inesperado, há uma desorganização, paralisação e um sentimento de impotência daquele que perdeu.
Chamamos de processo de luto a reação à perda, o enfrentamento das etapas desse período. Dentre as fases comuns que as pessoas atravessam temos: o choque ou torpor, em que a pessoa pode parecer desligada e é comum reações de pânico e choro intenso; a fase seguinte é chamada de anseio ou raiva, na qual é frequente o desejo que a pessoa falecida retorne, com períodos de raiva e desespero, e a ilusão que tudo não tenha passado de um pesadelo; na fase seguinte pode ocorrer desorganização mental e depressão, pois acontece o reconhecimento da perda e aí a tristeza é profunda; na fase posterior, encerrando o processo de luto, acontece o momento de reorganização ou aceitação, no qual é possível retomar projetos, novas relações e aprender a lidar com a dor da perda de uma forma mais serena ou até aprender a transformá-la numa saudade saudável. É importante destacar a alternância dessas fases, bem como o fato de que para cada pessoa enlutada o processo vai acontecer de uma forma singular sem necessariamente seguir essa sequência ou passar por todas elas.


De uma forma geral, o ser humano diante das situações de perdas, possui a capacidade para conseguir se recuperar (resiliência), porém cada qual no seu tempo. O luto é um processo de longo prazo e extremamente pessoal, sua duração vai depender de cada um; após este período, é esperado que a dor mais intensa diminua e que a pessoa consiga retomar suas atividades.
A possibilidade que permite seguir a vida, passa pelo enfrentamento da dor e das etapas seguintes. É uma via dolorosa, mas é a mais saudável. Cabe salientar que atravessar as tarefas necessárias no luto (reconhecer e aceitar a perda para depois poder voltar-se para o que ficou e seguir) para aprender a viver sem a pessoa perdida, no momento de uma dor tão aguda, pode ser facilitado pela rede de apoio familiar e social e também pela ajuda de um profissional.
Reinvestir amor e esperança na vida que fica pode parecer impossível diante de uma grande perda inesperada, mas é um caminho a ser alcançado. Poder amar as outras pessoas a sua volta não significa que não se ama mais a pessoa que partiu, pois e é verdade que "de tudo fica um pouco..." (Drummond), do amor fica muito e eternamente.

BUSCANDO CONSOLO NA FÉ


Os ensinamentos budistas nos dizem que a morte é uma passagem, uma etapa num processo bastante mais vasto que engloba nascimentos e mortes sucessivas, formas de existência variadas, vários registos da consciência humana. Neste contexto alargado, a morte deixa de ser um acontecimento único e traumático, o limiar do nada ou do mistério. Ela apresenta-se então como a dissolução do suporte físico e das formas menos subtis da consciência que está ligada ao corpo e constitui uma experiência da qual podemos tirar partido para aumentar e aprofundar o nosso conhecimento de nós mesmos e do mundo. É também a ocasião por excelência para tomarmos contato com a nossa natureza profunda, essa luminosidade natural do nosso espírito que está sempre presente e que nada pode alterar.
Mas para podermos aproveitar esta ocasião, temos de poder vivê-la com serenidade. Os Budistas desenvolvem então um sentido das responsabilidades dos seus atos uma vez que a morte, o estado intermediário e o próximo renascimento dependem deles.
Ao estudar sobre a preciosidade e a raridade de nossa vida, reconhecemos que a vida está passando exatamente agora. Nunca mais teremos este dia. Esta enorme oportunidade passa rapidamente e, então, tudo para completamente. Quando o seu corpo acaba, sua preciosa vida humana acaba. Considerar a preciosidade e a impermanência da vida é um incentivo. Se existe algo digno de realizar aqui, realize-o.
Tentando fazer sentido de tudo isso em meio à tanta saudade, vamos tentando viver um dia após o outro e focamos nosso olhar sobre a vida que segue,  levando a pessoa que amamos para sempre no nosso coração e na nossa memória, tendo a certeza de que, onde quer que esteja, estará olhando por nós e orgulhoso de nossas realizações! 


Love never dies...
Trilha sonora para este post: Entre tantos tangos, guarânias, milongas e clássicos que sempre ouvia e gostava, "Gracias a la vida" era uma das favoritas, e o acompanhou até o final... Na bela voz de "La Negra" Mercedes Sosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário