“ Ѱ Scientia eorum quae per animas humanas possibilia” (A Psicologia é a
ciência das coisas que são possíveis através da alma humana) – Wolff, 1728:58
Bem, ao longo desse primeiro semestre do curso,
tentamos formular uma resposta coerente para esta questão fundamental, que nos
perseguiu durante os estudos de várias disciplinas. Lemos vários textos de
Garcia Roza, Foucault, Canguilhem, Norbert Elias, Descartes, Nietzsche, Kant, Arthur
de Arruda Ferreira, Guattari, e Deleuze, entre outros, para as disciplinas de
História da Psicologia, Fundamentos Epistemológicos e Filosóficos da
Psicologia, Teoria e Sistemas Psicológicos, Psicologia e História Social,
Psicologia e suas Conexões, que muitas vezes nos confundiram mais do que
ajudaram a achar uma resposta para o problema. Ou pelo menos, em um primeiro
momento. Acho que agora, terminado o semestre, leituras feitas, refeitas,
provas concluídas e depois de alguma reflexão, estamos em condições de
responder a esta pergunta com alguma clareza.
Na verdade, para mim essa pergunta sempre
representou duas linhas importantes de reflexão, uma acadêmica, requerida pelo
curso, e outra, estritamente pessoal: afinal, para que a psicologia na minha
vida agora, porque a opção de reingressar na Universidade para cursar psicologia,
depois de já ter uma profissão definida, três filhos, uma rotina corrida e
cheia de responsabilidades?
A vontade de voltar aos bancos escolares já me
perseguia há algum tempo, por estar já um tanto entediada com a vida de professora-tradutora-intérprete,
a vontade de fazer algo mais, algo diferente, começou a se transformar em um
desejo forte de investir na minha formação acadêmica, ler outras coisas,
conviver com outras pessoas, pensar outras questões... Acho muito importante
pensar a educação como um processo contínuo de desenvolvimento pessoal, procuro
aprender coisas novas sempre que posso,
e essa “recarga” só faz bem à alma, às minhas relações pessoais, e ao convívio
com a família. Essa necessidade de me “reinventar” every once in while sempre fez parte de mim, acho que me define.
E por que a Psicologia? Bem, sempre tive muito
interesse pelas questões que envolvem a alma humana, de um ponto de vista mais “espiritual”,
mas também pelas questões de como pensamos o que pensamos, como sentimos, como
aprendemos, como o nosso inconsciente nos molda, e de certa forma define como
agimos, como somos. Sem falar nas eternas questões filosóficas “quem somos?”, “para
onde vamos?”, “to be or not to be”,
blá, blá, blá... Enfim, buscando um melhor entendimento do mundo e do que nos
faz humanos, a Psicologia me pareceu o melhor campo para buscar tentativas de
respostas a tais questões.
Ter me tornado mãe também foi uma razão do meu
interesse pela área, pois desde que meu primeiro filho nasceu passei a ser uma
consumidora voraz dos tais livros de autoajuda (arghh, hj em dia corro deles!),
de psicologia do desenvolvimento infantil, inteligência emocional, estimulação,
Shantala, enfim, tudo que pudesse me ajudar a entender melhor o que estava se
passando com aqueles pequenos seres que eu agora tinha a responsabilidade de
criar, cuidar, formar, depois de tê-los desejado tanto e os posto no mundo.
Mães sempre querem acertar e ser perfeitas, e por isso mesmo erram muito e
estão longe da perfeição... Mas seguimos tentando, e tentar entender o mundinho
dos nossos filhos e fazer o que estiver ao nosso alcance para que eles vivam
bem e se tornem pessoas, responsáveis por suas escolhas e conscientes, sempre
me pareceu a principal tarefa dos pais. Sempre ouvi aquele famoso lugar-comum, “criamos
os filhos não para a gente, mas para o mundo”, e para mim a questão sempre foi,
“que tipo de pessoas eu quero no mundo?” e minhas ideias sobre educação sempre
foram pautadas nessa premissa.
Foi também importante na escolha da Psicologia
a esta altura dos acontecimentos a minha preocupação em tentar, através das
minhas habilidades, ser um agente de transformação do mundo em geral, e
especificamente, da sociedade em que vivemos. Achei que a minha experiência no
magistério, primeiro como aluna de um curso de formação para professores, depois
como professora, poderia ser útil para auxiliar na capacitação das pessoas que
trabalham com educação. Acredito que investir na educação, tanto de nossas
crianças como de nossos professores, é o que esse país precisa para realmente
dar um salto de desenvolvimento. E, como os psicólogos podem ser agentes de
transformação através das suas práticas, se essas estiverem comprometidas não
com a normalização dos indivíduos, mas com a produção de uma subjetividade não
alienada ou alienante, de processos de
singularização subjetiva, conforme nos propõe Guattari,
“A partir do momento em que os grupos adquirem
essa liberdade de viver seus processos, eles passam a ter uma capacidade de ler
sua própria situação e aquilo que se passa em torno deles. Essa capacidade é
que vai lhes dar um mínimo de possibilidade de criação e permitir preservar
exatamente (...) sua autonomia tão importante.”
Nestas palavras, na possibilidade de inserção
do trabalho do psicólogo nesta linha de pensamento, encontrei a resposta,
totalmente de cunho pessoal, à questão da finalidade da Psicologia na minha
vida. Se eu conseguir, através do meu saber e da minha experiência, auxiliar
outras pessoas, nas suas buscas pessoais, a encontrarem respostas que as levem
a se tornarem indivíduos mais completos, com todas as suas singularidades, com
certeza estarei muito realizada profissionalmente.
Referências Bibliográficas deste post:
GUATTARI, Félix e ROLNIK, Sueli. Micropolítica
– CARTOGRAFIAS DO DESEJO. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
FERREIRA, Arthur Arruda Leal, JACÓ-VILELA, Ana
Maria e PORTUGAL, Francisco Teixeira. HISTÓRIA DA PSICOLOGIA, Rumos e
Percursos. Rio de Janeiro: Nau Ed., 2007.
Trilha sonora deste post: A música que me fez começar a me questionar acerca do que eu queria fazer com minha vida, lá longe nos meus 15 anos...
“If I could, you know I would let
it go/ this desperation, dislocation, separation, condemnation, isolation,
desolation… to let it go… and so fade away… I’m wide awake, I’m not sleeping”
U2, “Bad”, Wide Awake in America,
1985.