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segunda-feira, 4 de junho de 2012

"Catedrático, bora discutir Foucault!" - Refletindo sobre o Saber e o Poder



Michel Foucault
Desde o primeiro semestre do nosso curso de Psicologia na UFF ouvimos os professores mencionarem Foucault, em várias disciplinas, e a respeito de diversos assuntos. Eu só conhecia o Foucault da epistemologia, da discussão sobre o discurso e da história das ciências humanas, ao qual fui apresentada através da obra "As Palavras e as Coisas", lá no meu longínquo curso de Letras.

Dá pra dizer que fui apresentada formalmente às obras de Foucault somente agora, na Psicologia.  A princípio achei difícil de ler, de acompanhar o raciocínio frenético desse autor, e seus períodos longuíssimos... E percebi que suas obras, suas idéias, provocam reações extremadas de amor ou ódio nas pessoas, pois há os que "odeiam" o Careca e os que se assumem "foucaultianos de carterinha". Sem pender para um lado ou outro, acho importante conhecer a obra e os pontos de vista desse que foi um grande intelectual do nosso século, pois suas colocações acerca de uma multitude de assuntos podem até ser um pouco maçantes, e podemos discordar de suas conclusões, mas jamais ficar indiferentes a tudo que diz, ele nos instiga a pensar e investigar coisas que tomamos como dadas desde sempre.

Michel Foucault foi um dos mais importantes pensadores da contemporaneidade, que durante sua curta vida estudou e discutiu uma ampla variedade de temas. Trabalhou em campos tão diversos que é difícil categorizar sua obra, que pode tratar tanto de Filosofia, como Psicologia, Sociologia. Medicina, estudos de Gênero, Crítica Cultural e Literária e Epistemologia. O que dá unidade a este extenso e variado campo de estudo é seu interesse no Poder e no Saber, e fundamentalmente nas interações destes dois campos. Poderíamos dizer que ele começa com uma afirmação óbvia: Saber é Poder. A partir deste pressuposto, interessou-se pelo saber dos seres humanos, e no poder que atua sobre os seres humanos.

Ao longo de sua obra Foucault olhou para o mecanismo central das ciências sociais, a categorização das pessoas em normais e anormais. Seus livros estudam diferentes formas de anormalidade, tais como entendidas pela nossa sociedade ocidental, em suas várias faces:  a Loucura (História da Loucura na Idade Clássica - 1961), a criminalidade (Vigiar e Punir - 1975), as enfermidades (O Nascimento da Clínica - 1963) e a sexualidade humana (História da Sexualidade - 1976 a 1984), entre outras obras importantes, e tentam mostrar como um certo saber sobre a "normalidade" foi construído visando o poder, a "normatização" e a disciplina.

Não tem como fazer um resumo da vasta obra desse pensador, filósofo e psicólogo em um post apenas. Resolvemos postar então alguns fragmentos da última leitura que fizemos, agora durante a greve, onde lemos algumas partes de Vigiar e Punir, onde Foucault dedica-se à árdua tarefa de investigar a história das prisões e cárceres,  para entender melhor certas formas de disciplina e certos padrões de relacionamento inaugurados por estas disciplinas ao longo do período clássico, e que existem até nossos dias, como o panoptismo, fenômeno que pode ser observado extensivamente em nossa sociedade. Vamos então à leitura do capítulo onde Foucault nos fala da "docilização dos corpos", dessa espécie de "doma" que somos sujeitos desde nossos primeiros anos de escola e em diferentes contextos de nossas vidas, que tem por objetivo "normatizar", subjugar nossos corpos à disciplina que parecer mais adequada aos interesses da sociedade.


Vigiar e Punir, Capítulo III - Os corpos dóceis, pag.131

"Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo - ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multilplicam.
(...) Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas. A escala , em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente ; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica - movimentos, gestos, atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças do que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício.
(...) Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as "disciplinas". Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação.

 (...) O momento histórico das disciplinas e o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mai útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos.
(...) uma "mecânica do poder" está nascendo: ela define como pode se ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos "dóceis". A disciplina aumenta as forcas do corpo ( em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra:ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma "aptidão", uma "capacidade" que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita."

Esses fragmentos são apenas as partes que me chamaram a atenção e sobre as quais fiquei pensando, a obra é muito mais e merece uma leitura atenciosa! Espero que tenha ajudado alguém a "desconstruir" a imagem de Foucault como um cara chato, difícil e "coisa de intelectualóide", como já ouvi muito por aí... Eu não me meto a discutir suas idéias, pois acho que ainda não tenho conhecimento suficiente para isso, mas aprecio a leitura e acho que me fazem pensar e questionar a realidade, e isso é ótimo, na minha opinião!

Referências Bibliográficas:
Foucault, Michel. Vigiar e Punir (Surveiller et punir). 1975. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1997.
Foucault  para principiantes, ebook, 2010.
Funk da "Gaiola das Cabeçudas", Marcelo Adnet e cia. no Comédia MTV, melô da turma no nosso primeiro período, pra quem diz que funk não é cultura! 


sábado, 10 de setembro de 2011

Princípios Gerais da Filosofia Grega sobre o Conhecimento

Ensina-nos a professora Marilena Chauí que com os filósofos gregos estabeleceram-se alguns princípios gerais do conhecimento verdadeiro, resumidos a seguir:

Ruínas Gregas, Athenas.
  As fontes e as formas de conhecimento são: a sensação, a percepção, a  imaginação,  a memória, a linguagem, o raciocínio e a intuição intelectual;  
  • Há uma distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual;
  • A linguagem tem um papel fundamental no conhecimento;
  • Existe uma grande diferença entre opinião e saber, e entre aparência e essência;
  • Há uma definição dos princípios do conhecimento verdadeiro (identidade, não-contradição, terceiro excluído), da forma do conhecimento verdadeiro (ideias, conceitos e juízos), e dos procedimentos para alcançar o conhecimento verdadeiro (indução, dedução, intuição);
  •  A distinção dos campos do conhecimento verdadeiro foi sistematizada por Aristóteles em três ramos: teorético (referente aos seres que apenas podemos contemplar ou observar, sem agir sobre eles ou neles interferir), prático (referente às ações humanas:  ética, política e economia) e técnico (referente à fabricação e ao trabalho humano, que pode interferir no curso da Natureza, criar instrumentos ou artefatos: medicina, artesanato, arquitetura, poesia, retórica, etc.).
Para os gregos, a realidade é a Natureza e dela fazem parte os humanos e as instituições humanas. Por sua participação na Natureza, os humanos podem conhece-la, pois são feitos dos mesmos elementos que ela e participam da mesma inteligência que a habita e dirige.

O poeta alemão Goethe escreveu estes versos, que exprimem como os antigos concebiam o conhecimento:

“Se os olhos não fossem solares
Jamais o Sol nós veríamos;
Se em nós não estivesse a própria força divina,
Como o divino sentiríamos?”
O intelecto humano conhece a inteligibilidade do mundo, alcança a racionalidade do real e pode pensar a realidade porque nós e ela somos feitos da mesma maneira, com os mesmos elementos e com a mesma inteligência.

Pelo menos, é assim que pensavam os primeiros filósofos. A seguir, discutiremos a teoria do conhecimento como a consideraram os filósofos modernos.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ser ou Ter?


Ainda da série "dicas de férias", o post de hoje é sobre um livro que vem me acompanhando a quase duas semanas (comprei na La Selva do aeroporto, já li e continuo relendo algumas partes), "Sócrates Jesus e Buda - Três mestres de Vida", do francês Frédéric Lenoir. O livro é fascinante em muitos aspectos, pois, baseando-se em uma bem fundamentada pesquisa, o autor tenta entender por que os ensinamentos de Sócrates, Jesus e Buda sobre responsabilidade individual e tolerância continuam tão pertinentes. O autor descobre que eles têm muito em comum, e que a base de suas ideias está na noção de uma busca espiritual que foi determinante para a criação de um novo tipo de homem: um indivíduo autônomo, responsável por suas escolhas e ações.

Contra uma visão puramente materialista do homem e do mundo, Sócrates, Jesus e Buda são três mestres de vida. Suas palavras derrubaram preconceitos, dogmas e costumes, e atravessaram séculos sem envelhecer.
Já no Prólogo o autor "me ganhou", propondo uma reflexão sobre os rumos da modernidade e a eterna questão: ser ou ter? Como o prólogo é muito grande pra transcrever aqui (estou seriamente tentada a postar tudo..), segue uma citação que me pareceu muito pertinente, e que me deixou morrendo de vontade de ler mais:
"Buda, Sócrates e Jesus são os fundadores do que eu chamaria de "humanismo espiritual". O filósofo Karl Jaspers dedicou-lhes o primeiro tomo de sua história da filosofia (acrescentando Confúcio) e os considera "aqueles que deram a medida do humano". O que pode haver de mais necessário e atual diante da urgência de reconstrução de uma civilização que se tornou planetária? Um planeta excessivamente dilacerado entre uma visão puramente mercantil e materialista de um lado, e um fanatismo e um dogmatismo religioso de outro. Duas tendências aparentemente contrárias e que, não obstante, têm tudo para levar o mundo ao caos, mantendo o ser humano na lógica do "ter", da obediência infantilizante e da dominação; Estou convencido de que apenas a busca do "ser" e da responsabilidade - individual e coletiva- pode nos salvar de nós mesmos. É o que nos ensinam,há mais de dois milênios, cada um a seu modo, Sócrates, o filósofo ateniense, Jesus, o profeta judeu palestino, e Sidarta, chamado Buda, o sábio indiano."
Além de ser de fácil leitura, o livro faz com que nos questionemos sobre questões fundamentais a respeito do que é o conhecimento verdadeiro, o que somos, a busca pela verdade, o que é a justiça, e sobretudo, a importância  do amor e da compaixão. Enfim, tudo aquilo que, parafraseando Nietzsche, nos faz demasiado humanos. Mesmo  pra quem não gosta muito de filosofia ou religião, é uma boa leitura! 
Fik a dik...

"Jesus Christ Superstar", 1973


Referências e Links para este post:
Lenoir, Frédéric. Sócrates, Jesus, Buda: três mestres de vida. tradução Vera Lucia dos Reis - Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

Trilha Sonora: My favorite song from the musical "Jesus Christ Superstar", de 1973, "I don't know how to love him", sung by the unforgettable Yvonne Elliman, former backing vocal for Eric Clapton's band and many other famous groups.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Foucault, Nietzsche, a Genealogia e a Busca da Verdade – Entendeu, Calouro??

O primeiro texto estudado por nós, neste primeiro período  da Psicologia, foi  “Nietzsche, a Genealogia e a História", do filósofo (e psicólogo!) francês Michel Foucault.  Para minha surpresa, este texto  nos ajudou a compreender (ou será que ajudou a confundir??) conceitos que nos estavam sendo apresentados pela primeira vez (para a maioria dos alunos, acho eu!) em disciplinas, e as discussões sobre ele estiveram presentes em muitas aulas. Acho que todos vão lembrar do comentário “esse texto é pra vida toda”, feito pelo professor João... E da Marina, hahaha!!!
Brincadeiras a parte, realmente é um texto essencial para o entendimento das colocações de Foucault e de toda uma linha de pensamento sobre como entendemos e buscamos a verdade dos fatos históricos e a verdade acerca do homem.

No princípio um tanto confusos com aquelas imagens “a genealogia é cinza, a metafísica é azul”, o “acontecimento”, “não há certezas”, “a verdade é uma construção e um jogo de poder” e um monte de palavras em alemão!!??(que diabos é metafísica, o que é um acontecimento? Como assim não há certezas?  What the hell is Ursprung, Entestehung? E não, não estamos estudando sobre a família de ninguém!), aos poucos fomos  lendo, conversando, digerindo aquilo tudo e as fichas caindo, eu acho.
Na primeira prova do Prof. Pedro Cattapan (Psicologia e História Social), nos foi proposta a seguinte questão:

O que Foucault entende por Genealogia?

Transcrevo abaixo a minha resposta, já avaliada pelo teacher, é claro, e com algumas “pós-edições” no conteúdo:
“A Genealogia, segundo Foucault , é uma visão crítica sobre a história. Esta visão difere muito da concepção tradicional de História linear (tal como aprendemos na escola), a qual pressupõe uma continuidade dos fatos históricos desde uma origem (a tal de “Ursprung”) até o presente.
A Genealogia se caracteriza por não ser linear, e sim considerar o devir histórico como uma série de acontecimentos singulares que fazem a história, e que devem ser analisados e considerados na sua particularidade, e não de forma causal  (um fato causou outro, que causou outro, etc.).
Para a Genealogia interessam os conflitos, as lutas pelo poder (“invasões, disfarces, astúcias”), a novidade que quebra certa previsibilidade existente: é a partir da emergência de conflitos (“Entestehung”), guerras e rupturas de regras que surgem novos paradigmas, novas regras, as quais, provocando mudanças, fazem a história.
Quando Foucault, citando a primeira dissertação de Friederich Nietzsche em sua obra “Para Uma Genealogia Da Moral”, diz que
“A genealogia é cinza; ela é meticulosa e pacientemente documentária. Ela trabalha com pergaminhos embaralhados, riscados, várias vezes reescritos.”
 ele nos oferece a bela imagem de uma visão dos fatos históricos que não é clara, precisa e previsível como os historiadores tradicionais nos fizeram por muito tempo acreditar.
A Genealogia, então, se coloca como um método de pensar a história considerando todos os seus disparates e confusões, buscando não a origem dos fatos, sua cronologia, mas a sua importância para entendermos o presente, ou seja, onde a história nos trouxe.
Sendo assim, não teríamos apenas uma compreensão da História, e sim, diversas “histórias” que trazem à tona não uma verdade única e inquestionável, mas a verdade na história de cada um. ”
Lembrando que toda a questão do pensamento foucaultiano está colocada na busca pela verdade do conhecimento, da verdade das coisas, cabe aqui uma citação sobre como devemos lançar o nosso olhar sobre a história:

“Se interpretar era colocar lentamente em foco uma significação oculta na origem, apenas a metafísica poderia interpretar o devir da humanidade. Mas se interpretar é se apoderar por violência ou sub-repção, de um sistema de regras que não tem em si significação essencial, e lhe impor uma direção, dobrá-lo a uma nova vontade, fazê-lo entrar em outro jogo e submetê-lo a novas regras, então o devir da humanidade é uma série de interpretações. E a genealogia deve ser a sua história.” ("Microfísica do Poder", 23o. Edição. Graal. Cap 2, Pág. 26)

Trilha Sonora para este post: Só podia ser esta, "Gaiola das Cabeçudas", by Comédia MTV