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Michel Foucault |
Desde o primeiro semestre do nosso curso de Psicologia na UFF ouvimos os professores mencionarem Foucault, em várias disciplinas, e a respeito de diversos assuntos. Eu só conhecia o Foucault da epistemologia, da discussão sobre o discurso e da história das ciências humanas, ao qual fui apresentada através da obra "As Palavras e as Coisas", lá no meu longínquo curso de Letras.
Dá pra dizer que fui apresentada formalmente às obras de Foucault somente agora, na Psicologia. A princípio achei difícil de ler, de acompanhar o raciocínio frenético desse autor, e seus períodos longuíssimos... E percebi que suas obras, suas idéias, provocam reações extremadas de amor ou ódio nas pessoas, pois há os que "odeiam" o Careca e os que se assumem "foucaultianos de carterinha". Sem pender para um lado ou outro, acho importante conhecer a obra e os pontos de vista desse que foi um grande intelectual do nosso século, pois suas colocações acerca de uma multitude de assuntos podem até ser um pouco maçantes, e podemos discordar de suas conclusões, mas jamais ficar indiferentes a tudo que diz, ele nos instiga a pensar e investigar coisas que tomamos como dadas desde sempre.
Michel Foucault foi um dos mais importantes pensadores da contemporaneidade, que durante sua curta vida estudou e discutiu uma ampla variedade de temas. Trabalhou em campos tão diversos que é difícil categorizar sua obra, que pode tratar tanto de Filosofia, como Psicologia, Sociologia. Medicina, estudos de Gênero, Crítica Cultural e Literária e Epistemologia. O que dá unidade a este extenso e variado campo de estudo é seu interesse no Poder e no Saber, e fundamentalmente nas interações destes dois campos. Poderíamos dizer que ele começa com uma afirmação óbvia: Saber é Poder. A partir deste pressuposto, interessou-se pelo saber dos seres humanos, e no poder que atua sobre os seres humanos.
Ao longo de sua obra Foucault olhou para o mecanismo central das ciências sociais, a categorização das pessoas em normais e anormais. Seus livros estudam diferentes formas de anormalidade, tais como entendidas pela nossa sociedade ocidental, em suas várias faces: a Loucura (História da Loucura na Idade Clássica - 1961), a criminalidade (Vigiar e Punir - 1975), as enfermidades (O Nascimento da Clínica - 1963) e a sexualidade humana (História da Sexualidade - 1976 a 1984), entre outras obras importantes, e tentam mostrar como um certo saber sobre a "normalidade" foi construído visando o poder, a "normatização" e a disciplina.
Não tem como fazer um resumo da vasta obra desse pensador, filósofo e psicólogo em um post apenas. Resolvemos postar então alguns fragmentos da última leitura que fizemos, agora durante a greve, onde lemos algumas partes de Vigiar e Punir, onde Foucault dedica-se à árdua tarefa de investigar a história das prisões e cárceres, para entender melhor certas formas de disciplina e certos padrões de relacionamento inaugurados por estas disciplinas ao longo do período clássico, e que existem até nossos dias, como o panoptismo, fenômeno que pode ser observado extensivamente em nossa sociedade. Vamos então à leitura do capítulo onde Foucault nos fala da "docilização dos corpos", dessa espécie de "doma" que somos sujeitos desde nossos primeiros anos de escola e em diferentes contextos de nossas vidas, que tem por objetivo "normatizar", subjugar nossos corpos à disciplina que parecer mais adequada aos interesses da sociedade.
Vigiar e Punir, Capítulo III - Os corpos dóceis, pag.131
"Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo
como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande
atenção dedicada então ao corpo - ao corpo que se manipula, se modela, se
treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multilplicam.
(...) Nesses esquemas de docilidade, em que o século
XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez,
certamente, que o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que
lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são
novas nessas técnicas. A escala , em primeiro lugar, do controle: não se trata
de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade
indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente ; de exercer sobre ele uma
coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica - movimentos, gestos,
atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em
seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos
movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças do
que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício.
(...) Esses métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes
impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
"disciplinas". Muitos processos disciplinares existiam há muito
tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se
tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação.
(...) O momento histórico das disciplinas e o momento em
que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas
habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma
relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mai útil,
e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho
sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de
seus comportamentos.
(...) uma "mecânica do poder" está nascendo:
ela define como pode se ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente
para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as
técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica
assim corpos submissos e exercitados, corpos "dóceis". A disciplina
aumenta as forcas do corpo ( em termos econômicos de utilidade) e diminui essas
mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra:ela dissocia
o poder do corpo; faz dele por um lado uma "aptidão", uma
"capacidade" que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a
energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de
sujeição estrita."
Esses fragmentos são apenas as partes que me chamaram a atenção e sobre as quais fiquei pensando, a obra é muito mais e merece uma leitura atenciosa! Espero que tenha ajudado alguém a "desconstruir" a imagem de Foucault como um cara chato, difícil e "coisa de intelectualóide", como já ouvi muito por aí... Eu não me meto a discutir suas idéias, pois acho que ainda não tenho conhecimento suficiente para isso, mas aprecio a leitura e acho que me fazem pensar e questionar a realidade, e isso é ótimo, na minha opinião!
Referências Bibliográficas:
Foucault, Michel. Vigiar e Punir (Surveiller et punir). 1975. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1997.
Foucault para principiantes, ebook, 2010.
Funk da "Gaiola das Cabeçudas", Marcelo Adnet e cia. no Comédia MTV, melô da turma no nosso primeiro período, pra quem diz que funk não é cultura!