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Image from tumblr; sensualthrills.tumblr.com |
"Uma fantasia é um mapa de desejo, domínio, fuga e dissimulação; a rota que inventamos para navegar entre os recifes e baixios da ansiedade, da culpa e da inibição. É um trabalho da consciência, mas em reação a pressões inconscientes. O fascinante não é só o que a fantasia tem de bizarro, é também o que tem de compreensível; cada uma nos dá um quadro consciente e coerente da personalidade - o inconsciente - de seu criador, embora este possa considerá-la o capricho aleatório do momento."
(Nancy Friday, Men in Love)
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E.L. James, a escritora da série de best sellers |
No último ano vimos o fenômeno da trilogia "50 Tons..." trazer à discussão da mídia questões relacionadas à sexualidade que geralmente só eram abordadas pela indústria pornográfica, tais como dominação, sado-masoquismo, bondage e outras práticas que a maioria das mulheres sempre considerou apenas no terreno da fantasia, ou não considerou da maneira alguma devido à repressão e condicionamentos sociais de "isso não ser coisa de mulher direita" (como se houvesse direito e avesso em questões de sexo) e outros moralismos.
Na minha opinião, houve uma certa banalização do assunto, como se sexo para ser bom tenha que necessariamente ser recheado de tais práticas, e a noção de que seria a solução para nossos desejos insatisfeitos... Acho que em termos de sexualidade tudo é muito particular e qualquer generalização tende ao erro. E que o exagero sempre está fadado a trazer mais insatisfação... Mas achei válido, ao menos, que tais livros tenham aberto o espaço de discussão para a importância das fantasias na realização de cada um, sem medo de rótulos de perversão ou falso moralismo.
Fantasias sexuais são parte da vida saudável de qualquer homem e mulher, e perceber isso só nos faz mais felizes e plenos. Mas nem sempre foi assim.
Em uma das minhas leituras de férias me deparei com um livro de uma terapeuta familiar americana,
Esther Perel, que clinica em Nova York especialmente com terapia de casais. E ela, entre outras ideias bem interessantes sobre relacionamentos e casamento, coloca o quanto as fantasias são importantes pra driblar as armadilhas que por vezes nos enrolamos em um relacionamento à longo prazo. Me fez pensar bastante sobre minhas próprias práticas, sobre o lugar das fantasias na minha vida e sobre toda essa celeuma causada pelo Mr. Grey e suas práticas muito peculiares. Transcrevo abaixo algumas das ideias de Perel que fizeram todo sentido pra mim!
"Até pouco tempo, as fantasias sexuais eram malvistas. O que o cristianismo considerava pecado, mais tarde passou a ser, aos olhos da psicologia moderna, uma perversão limitada a insatisfeitos e imaturos. Até mesmo hoje, muitos acreditam que a fantasia nada mais é que uma compensação pela frustração libidinal e pela falta de oportunidade devida à falta de coragem, interrupção do desenvolvimento ou barriga grande. Estes acreditam que as fantasias sexuais que temos são o que gostaríamos que acontecesse na realidade. "Se realmente tivesse atração por mim meu marido não precisava ver fotografias de mulheres de peito grande", queixa-se uma esposa. "Quando fantasio sobre outros homens me violando, tenho a sensação de estar traindo meu namorado", diz outra cliente."Que tipo de mulher quer ser estuprada?"
Eu também tinha a visão estreita de que a fantasia era o pão do pobre - o alimento dos empobrecidos em termos sensuais. Ensinaram-me a olhar a fantasia como um sintoma de neurose ou imaturidade - ou como uma idealização romântica impregnada de erotismo que não deixava a pessoa enxergar a verdadeira identidade do parceiro e prejudicava as relações da vida real. Eu estava empacada na fronteira entre o imaginário e o real, sem conseguir entrar na complexidade da mente erótica. Felizmente, eu era curiosa o bastante para perguntas a meus pacientes sobre suas fantasias. Mas, quando eles me contavam, eu ainda não sabia o que fazer com a informação. Era como assistir a um filme russo maravilhoso sem legenda: eu não tinha ideia sobre o que era, embora pudesse apreciar a beleza da cinematografia.
Com o passar do tempo o pensamento nessa área evoluiu, e agora consideramos a fantasia um componente natural da sexualidade adulta. Deixamos de vê-la apenas como um compulsão furtiva (ou um desejo perverso de uma minoria insatisfeita) e ampliamos nosso foco. A obra coletiva de filósofos e clínicos com Michel Foucault, Georges Bataille, Ethel Spector Person, Jack Morin, Michel Bader e dezenas de outros provocou uma mudança imensa no entendimento da profundidade e da riqueza da imaginação erótica: o que é, o que é capaz de fazer.
Passei a ver a fantasia como um valioso recurso imaginativo, seja ela cultivada individualmente ou em conjunto pelo casal. A capacidade de ir a qualquer lugar na imaginação é uma pura expressão de liberdade individual. A imaginação é uma força criativa que pode nos ajudar a transcender a realidade. Ao nos proporcionar uma fuga ocasional de uma relação, ela funciona como um poderoso antídoto contra a perda da libido dentro da relação. Em resumo, o amor e a ternura são enriquecidos com o tempero da imaginação.
As fantasias - sexuais e outras - também tem poderes curativos e renovadores mágicos. Fazem o tempo voltar atrás, tornando-nos jovens de novo, permitindo-nos ser do jeito que já não somos mais e talvez nunca tenhamos sido: perfeitos, fortes, belos. Colocam-nos na presença da pessoa amada que já morreu ou trazem de volta recordações de transas apaixonadas com o parceiro que agora lutamos para erotizar. Através da fantasia reparamos, compensamos e transformamos. Por alguns momentos, sobrepujamos as realidades da vida e da morte.
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Quanto mais ouço e sondo, mais aprecio a astúcia da fantasia - sua energia, sua eficiência imaginativa, suas qualidades curativas e sua força psicológica. Nossas fantasias combinam a singularidade de nossa história pessoal com a pluralidade da imaginação coletiva. Cada cultura usa incentivos e proibições para exprimir o que é sexy e o que é proibido. Os voos de nossa fantasia unem o possível ao permissível. A fantasia é a alquimia que transforma a barafunda de ingredientes psíquicos no ouro puro da excitação erótica. Ela é uma forma engenhosa pela qual nossa criatividade supera todo tipo de conflitos em torno do desejo e da intimidade. O psicanalista Michael Bader (cujo livro incisivo Excitação discute os sentimentos subjacentes à fantasia) explica que, no santuário da mente erótica, encontramos um espaço psicológico seguro para eliminar as inibições e os medos que nos perturbam internamente. Nossas fantasias nos permitem negar e eliminar os limites que nossa consciência, nossa cultura e nossa auto-imagem nos impõe."
Para além dos tabus e revindicando o princípio do prazer
Nossos tabus culturais sobre a fantasia erótica são tão fortes que a própria ideia de discuti-la gera ansiedade e vergonha. As fantasias são mapas de nossas preocupações psicológicas e culturais; sua exploração pode levar a pessoa a se conhecer melhor, um passo essencial para começar a mudar.
Quando interditamos o acesso a nossos interiores eróticos, o sexo fica truncado, sem vibração e não particularmente íntimo. O que as pessoas não vêem é que, numa relação, quando o sexo se torna enfadonho e sem graça, muitas vezes isso se deve a esse cerceamento da imaginação. Nossa imaginação erótica é uma expressão exuberante de nossa vitalidade e uma das ferramentas mais poderosas que temos para manter vivo o desejo.
Dar voz a nossas fantasias pode nos libertar de muitos obstáculos pessoais e sociais que nos impedem de chegar ao prazer. Entender o que nossas fantasias fazem para nós ajuda-nos a entender o que buscamos, sexual e emocionalmente. Em nossos devaneios eróticos, encontramos a energia que nos mantém apaixonadamente despertos para nossa própria sexualidade.
Portanto, nossa fantasia está muito além de apenas cinquenta tons de cinza, e está a nossa disposição para ser da cor que quisermos... multicolorida!!
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Loving comes in all colors! |
Para ler mais sobre o assunto entre outras coisinhas, segue um artigo de Bader sobre a pornografia e o papel das fantasias, só clicar na foto.
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Michael Bader,D.M.H: Psicanalista, ativista político, professor e escritor. |
Referências Bibliográficas:
Bader, Michael : michaelbader.com
Perel, Esther: Mating in Captivity - reconciling the erotic + the domestic,2006.