domingo, 2 de outubro de 2011

Mitos e Psi

Estudando psicologia e principalmente a psicanálise, não tem como evitar estudar ou ao menos ficar curioso a cerca dos mitos, que acompanham o homem desde sempre e são inspiração para tantas teorias (complexo de édipo, pulsões - eros e thanatos, narcisismo). Sempre gostei de mitologia, grega primeiro, mas logo todas elas, mitos nórdicos, o nosso imenso e rico folclore brasileiro... Diana, Athena, Eros, Thor, Valhala, a Iara, o Saci, Morgana e Merlin, elfos, fadas, centauros, pégaso...tudo isso fez parte da minha fantasia infantil!

 Stan Lee's Thor, Marvel Comics
Os mitos representam nossa consciência coletiva ancestral, carregam simbologias comuns a quase todas as civilizações. Através deles explicamos e entendemos o mundo ao nosso redor e nós mesmos. 

Recorrendo novamente à prof. Marilena Chauí, aprendemos que o pensamento humano pode ser mítico e lógico: a língua grega possuia duas palavras para referir-se à linguagem: mythos e logos. Ao estudarmos a linguagem e da inteligência que falar e pensar são inseparáveis. Por isso, podemos nos referir a duas modalidades de pensamento, conforme predomine o mythos ou o logos.

A tradição filosófica, sobretudo a partir do século XVIII (com a filosofia da Ilustração) e do séc XIX (com a filosofia da história de Hegel e o positivismo de Comte), afirmava que do mito à lógica havia uma evolução do espírito humano, isto é, o mito era uma fase ou etapa deste espírito humano e da civilização que antecedia o advento da lógica ou do pensamento lógico, considerado a etapa posterior e evoluída do pensamento e da civilização. Essa tradição filosófica fez crer que o mito pertencia a culturas "inferiores", "primitivas" ou "atrasadas", enquanto o pensamento lógico ou racional pertenceria a culturas "superiores", "civilizadas" e "adiantadas".

Diana de Éfeso ou Artemis.
 Hoje, porém, sabe-se que a concepção evolutiva está equivocada.  O pensamento mítico pertence ao campo do pensamento e da linguagem simbólica, que coexistem com o campo do pensamento e da linguagem conceituais. 

Como o mito funciona

O antropólogo Claude Lévi-Strauss estudou o "pensamento selvagem" para mostrar que os chamados selvagens não são atrasados nem primitivos, mas operam com o pensamento mítico.
O mito e o rito, escreve Lévi-Strauss, não são lendas nem fabulações, mas uma organização da realidade a partir da experiência sensível enquanto tal. Para explicar a composição de um mito, Lévi-Strauss se refere a uma atividade que exsite em nossa sociedade e que, em francês se cham bricolage.
Que faz um bricoleur, ou seja, quem pratica bricolage? Produz um objeto novo a partir de pedaços e fragmentos de outros objetos. Vai reunindo, sem um plano muito rígido, tudo o que encontra e que serve para o objeto que está compondo. O pensamento mítico faz exatamente a mesma coisa, isto é, vai reunindo as experiências, as narrativas, os relatos, até compor um mito geral. Com esses materiais heterogêneos produz a explicação sobre a origem e a forma das coisas, suas funções e suas finalidades, os poderes divinos sobre a Natureza e sobre os humanos.
O mito possui, assim, três características principais:

1. Função explicativa: o presente é explicado por alguma ação passada cujos efeitos permaneceram no tempo. Por exemplo, as chuvas existem porque, nos tempos passados, uma deusa apaixonou-se por um humano e, não podendo unir-se a ele diretamente, uniu-se pela tristeza, fazendo suas lágrimas caírem sbre o mundo, etc.

2. Função organizativa: o mito organiza as relações sociais (de parentesco, de alianças, de trocas, de sexo, de poder, etc) de modo a legitimar e garantir a permanência de um sistema complexo de proibições e permissões. Por exemplo, um mito como o de Édipo existe (com narrativas diferentes) em quase todas as sociedades selvagens e tem a função de garantir a proibição do incesto, sem a qual o sistema sociopolítico, baseao nas leis de parentesco e de alianças, não pode ser mantido;

3. Função compensatória: o mito narra uma situação passada, que é a negação do presente e que serve tanto para compensar os humanos de alguma perda como para garantir-lhes que um erro passado foi corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão estabilizada e regularizada da Natureza e da vida comunitária.

O Titã Prometeu
Por exemplo, entre os mitos gregos, encontra-se o da origem do fogo, que Prometeu roubou do Olimpo para entregar aos mortais e permitir-lhes o desenvolvimento das técnicas. Numa das versões deste mito, narra-se que Prometeu disse aos homens que se protegessem da cólera de Zeus realizando o sacrifício de um boi, mas que se mostrassem mais astutos do que o deus, comendo as carnes e enviando-lhe as tripas e as gorduras. Zeus descobriu a artimanha e os homens seriam punidos com a perda do fogo se Prometeu não lhes ensinasse um nova artimanha: colocar perfumes e incenso nas partes dedicadas ao deus.
Com esse mito, narra-se o modo como os humanos se apropriaram de algo divino (o fogo) e criaram um ritual (o sacrifício de um animal com perfumes e incenso) para conservar o que haviam roubado dos deuses.
Assim opera o pensamento mítico: o mito reúne, junta, relaciona e faz elementos diferentes e heterogêneos agirem uns sobre os outros. Em segundo lugar, o mito organiza a realidade, dando às coisas, aos fatos, às instituições um sentido analógico e metafórico, isto é, uma coisa vale por outra, substitui outra, representa outra. E finalmente, o mito estabelece relações entre os seres naturais e humanos, seja fazendo os humanos nascerem, por exemplo, de animais, seja fazendo os astros decidirem a sorte e o destino dos homens, seja fazendo cores, metais e pedras definirem a natureza de um humano (como na magia, por exemplo).
A peculiaridade do símbolo mítico está no fato de ele encarnar aquilo que ele simboliza. Ou seja, o fogo não representa  alguma coisa, mas é a própria coisa simbolizada: é deus, é amor, é guerra, é conhecimento, é pureza, é fabricação e purificação, é o humano.
O fato de o símbolo mítico não representar, mas encarnar aquilo que é significado por ele, leva a dizer (com faz Lévi-Strauss) que o pensamento mítico é um pensamento sensível e concreto, e onde coisas são ideias, onde as palavras dão existência ou morte às coisas.


A psicologia lança mão do pensamento mítico seja na psicanálise de Freud (utlizou-se de figuras e símbolos míticos para conceituar diversos princípios da psicanálise - Eros/Thanatos/Édipo/Narciso) e, mais profundamente, nas ideias de Carl Gustav Young, que muito nos tem a dizer sobre os símbolos e o papel dos mitos na compreensão da nossa psique, ou inconsciente.

Abaixo, uma aula de história de filosofia sobre mito e razão,suas diferenças e conceitos fundamentais. A voz do professor é meio irritante, mas as ideias são muito boas, bem didático e fácil de entender!!


Espero que o vídeo e toda essa discussão sirva para aguçar a sua curiosidade em conhecer e entender o pensamento mítico, tão essencial para o conhecimento da nossa natureza humana!

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