terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sobre a Linguagem


Pessoal, nas duas últimas aulas de Linguagem do Marcelo estivemos lendo o texto de Robert J. Sternberg sobre a Natureza da Linguagem e sua Aquisição. Inspirada, resolvi estudar um pouquinho sobre o assunto e, novamente, a Tia Marilena foi de grande ajuda. Transcrevo abaixo um fragmento do capítulo 5 do "Convite à Filosofia", pois acho que completa e explica muito do que viemos discutindo em sala. Vou dividir em mais de um post porque tem muita coisa, e como tudo é muito interessante, fica difícil resumir sem perder o fio da meada!!

 
A importância da linguagem

Na abertura de sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o bom  e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores é o que torna possível a vida social e política e, dele, somente os homens são capazes.

Na mesma linha é o raciocínio de Rosseau no primeiro capítulo do "Ensaio sobre a origem das línguas":
“A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado.” (Jean-Jacques Rosseau, 1712 – 1778)
Escrevendo sobre a teoria da linguagem, o linguista Hjelmslev afirma que “a linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos”, sendo
“o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana.”
Prosseguindo em sua apreciação sobre a importância da linguagem, Rosseau considera que a linguagem nasce de uma profunda necessidade de comunicação:
“Desde que  o homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-lhes seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para isto.”
Gestos e vozes, na busca da expressão e da comunicação, fizeram surgir a linguagem.
Por seu turno, Hjelmslev afirma que a linguagem é
“o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta contra a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador.”
A linguagem, diz ele, está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda nossa vida. Ela não é um simples acompanhamento do pensamento, “mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento”, é “o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração.”

A linguagem é, assim, a forma propriamente humana da comunicação , da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.

No entanto, no diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é um pharmakon. Esta palavra grega, que em português se traduz por poção, possui três sentidos principais: remédio, veneno ou cosmético. (neste link, um site maravilhoso sobre Platão com os diálogos comentados, muito interessante - pra quem gosta da filosofia, é claro!)

Ou seja, Platão considerava que a linguagem pode ser um medicamento ou um remédio para o conhecimento, pois pelo diálogo e pela comunicação, conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, pela sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados, o que vimos ou lemos, sem que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas. Enfim, a linguagem pode ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras. A linguagem pode ser conhecimento-comunicação, mas também pode ser encantamento-sedução.


"The Tower of Babel", Brueghel, 1563 - Oil on panel, Kunsthistoriches Museum, Vienna.

Essa mesma ideia da linguagem como possibilidade  de comunicação-conhecimento e de dissimulação-desconhecimento aparece na Bíblia judaico-cristã, no mito da Torre de Babel, quando Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas diferentes, que impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os desentendimentos e guerras. A pluralidade das línguas é explicada, na Escritura Sagrada, como punição porque os homens ousaram imaginar que poderiam construir uma torre que alcançasse o céu, isto é, ousaram imaginar que teriam um poder e um lugar semelhante ao da divindade. “Que sejam confundidos”, disse Deus.

A origem da linguagem


Durante muito tempo a filosofia preocupou-se em definir a origem e as causas da linguagem.
Vaso Grego, Séc IV a.C.
 Uma primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural aos homens (é inata, existe por natureza?) ou é uma convenção social (aprendida?)? Se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional, são decisões consensuais da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias, isto é, a sociedade poderia ter escolhido outras palavras para designar as coisas.

Essa discussão levou, séculos mais tarde, à seguinte conclusão: a linguagem, como capacidade de expressão dos seres humanos, é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, isto é, surgem de condições históricas, geográfica, econômicas e políticas determinadas, ou , em outros termos, são fatos culturais. Uma vez constituída uma língua, ela se torna uma estrutura ou um sistema dotado de necessidades internas (sintaxe), passando a funcionar como se fosse algo natural, isto é, como algo que possui suas leis e princípios próprios, independentes dos sujeitos falantes que a empregam.


Perguntar pela origem da linguagem levou a quatro tipos de respostas:

  1.  A linguagem nasce por imitação, isto é, os humanos imitam, pela voz, os sons da Natureza. A origem da língua seria, portanto, a onomatopeia ou imitação dos sons animais e naturais.
  2.  A linguagem nasce por imitação dos gestos, isto é , nasce como uma espécie de pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco, o gesto passou a ser acompanhado de sons e estes se tornaram gradualmente palavras, substituindo os gestos.
  3. A linguagem nasce da necessidade: a fome, a sede, a necessidade de abrigar-se e proteger-se, a necessidade de reunir-se em grupo para defender-se das intempéries, dos animais e de outros homens mais fortes levaram à criação de palavras, formando um vocabulário elementar e rudimentar, que, gradativamente, tornou-se mais complexo e transformou-se numa língua;
  4. A língua nasce das emoções, particularmente do grito (medo, surpresa ou alegria), do choro (dor, medo, compaixão) e do riso (prazer, bem-estar, felicidade).

     Citando novamente Rousseau em seu “Ensaio sobre a origem das línguas”:

“Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes... Eis por que as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.”

Assim, a linguagem, nascendo das paixões, foi primeiro linguagem figurada e por isso surgiu como poesia e canto, tornando-se prosa muito depois; e as vogais nasceram antes das consoantes. Assim como a pintura nasceu antes da escrita, assim também os homens primeiro cantaram seus sentimentos e só muito depois exprimiram seus pensamentos.


Essas teorias não são excludentes. É muito possível que a linguagem tenha nascido de todas essas fontes ou modos de expressão, e os estudos de Psicologia Genética (isto é, da gênese da percepção, imaginação, memória, linguagem e inteligência nas crianças) mostram que uma criança se vale de todos esses meios para começar a exprimir-se. Uma linguagem se constitui quando passa dos meios de expressão aos de significação, ou quando passa do expressivo ao significativo.

Mas isso já é assunto para outro post, que esse já está bem grandinho!

Para terminar, já que a autora afirma que os homens primeiro cantaram seus sentimentos, uma musiquinha do velho Mano Caetano que expressa muito bem sentimentos, pensamentos e emoções acerca da nossa língua pátria, “a última flor do Lácio”, sempre citada nas nossas aulas, sejam de Linguagem ou Filosofia!!!


 


Referência Bibliográfica: CHAUÍ, Marilena. "Convite à Filosofia". Rio de Janeiro. Editora Ática. 1997.


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