Pessoal, nas duas últimas aulas de Linguagem do Marcelo estivemos lendo o texto de Robert J. Sternberg sobre a Natureza da Linguagem e sua Aquisição. Inspirada, resolvi estudar um pouquinho sobre o assunto e, novamente, a Tia Marilena foi de grande ajuda. Transcrevo abaixo um fragmento do capítulo 5 do "Convite à Filosofia", pois acho que completa e explica muito do que viemos discutindo em sala. Vou dividir em mais de um post porque tem muita coisa, e como tudo é muito interessante, fica difícil resumir sem perder o fio da meada!!
A
importância da linguagem
Na abertura
de sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal
político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem.
Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem voz (phone) e com ela exprimem
dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o
bom e o mau, o justo e o injusto.
Exprimir e possuir em comum esses valores é o que torna possível a vida social
e política e, dele, somente os homens são capazes.
Na mesma
linha é o raciocínio de Rosseau no primeiro capítulo do "Ensaio sobre a origem
das línguas":
“A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado.” (Jean-Jacques Rosseau, 1712 – 1778)
Escrevendo
sobre a teoria da linguagem, o linguista Hjelmslev afirma que “a linguagem é
inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos”, sendo
“o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana.”
Prosseguindo
em sua apreciação sobre a importância da linguagem, Rosseau considera que a
linguagem nasce de uma profunda necessidade de comunicação:
“Desde que o homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-lhes seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para isto.”
Gestos e
vozes, na busca da expressão e da comunicação, fizeram surgir a linguagem.
Por seu
turno, Hjelmslev afirma que a linguagem é
“o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta contra a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador.”
A
linguagem, diz ele, está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos
pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda nossa vida. Ela não é um
simples acompanhamento do pensamento, “mas sim um fio profundamente tecido na
trama do pensamento”, é “o tesouro da memória e a consciência vigilante
transmitida de geração a geração.”
A linguagem
é, assim, a forma propriamente humana da comunicação , da relação com o mundo e
com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.
No entanto,
no diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é um pharmakon. Esta palavra
grega, que em português se traduz por poção, possui três sentidos principais:
remédio, veneno ou cosmético. (neste link, um site maravilhoso sobre Platão com os diálogos comentados, muito interessante - pra quem gosta da filosofia, é claro!)
Ou seja,
Platão considerava que a linguagem pode ser um medicamento ou um remédio para o
conhecimento, pois pelo diálogo e pela comunicação, conseguimos descobrir nossa
ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, pela
sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados, o que vimos ou lemos, sem
que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas. Enfim, a linguagem
pode ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade
sob as palavras. A linguagem pode ser conhecimento-comunicação, mas também pode
ser encantamento-sedução.
"The Tower of Babel", Brueghel, 1563 - Oil on panel, Kunsthistoriches Museum, Vienna. |
Essa mesma
ideia da linguagem como possibilidade de
comunicação-conhecimento e de dissimulação-desconhecimento aparece na Bíblia
judaico-cristã, no mito da Torre de Babel, quando Deus lançou a confusão entre
os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas
diferentes, que impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os
desentendimentos e guerras. A pluralidade das línguas é explicada, na Escritura
Sagrada, como punição porque os homens ousaram imaginar que poderiam construir
uma torre que alcançasse o céu, isto é, ousaram imaginar que teriam um poder e
um lugar semelhante ao da divindade. “Que sejam confundidos”, disse Deus.
A origem da
linguagem
Durante
muito tempo a filosofia preocupou-se em definir a origem e as causas da
linguagem.
Vaso Grego, Séc IV a.C. |
Uma
primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural
aos homens (é inata, existe por natureza?) ou é uma convenção social
(aprendida?)? Se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido
próprio e necessário; se for convencional, são decisões consensuais da
sociedade e, nesse caso, são arbitrárias, isto é, a sociedade poderia ter
escolhido outras palavras para designar as coisas.
Essa discussão levou,
séculos mais tarde, à seguinte conclusão: a linguagem, como capacidade de
expressão dos seres humanos, é natural, isto é, os humanos nascem com uma
aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite
expressarem-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, isto é, surgem
de condições históricas, geográfica, econômicas e políticas determinadas, ou ,
em outros termos, são fatos culturais. Uma vez constituída uma língua, ela se
torna uma estrutura ou um sistema dotado de necessidades internas (sintaxe),
passando a funcionar como se fosse algo natural, isto é, como algo que possui
suas leis e princípios próprios, independentes dos sujeitos falantes que a
empregam.
Perguntar
pela origem da linguagem levou a quatro tipos de respostas:
- A linguagem nasce por imitação, isto é, os humanos imitam, pela voz, os sons da Natureza. A origem da língua seria, portanto, a onomatopeia ou imitação dos sons animais e naturais.
- A linguagem nasce por imitação dos gestos, isto é , nasce como uma espécie de pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco, o gesto passou a ser acompanhado de sons e estes se tornaram gradualmente palavras, substituindo os gestos.
- A linguagem nasce da necessidade: a fome, a sede, a necessidade de abrigar-se e proteger-se, a necessidade de reunir-se em grupo para defender-se das intempéries, dos animais e de outros homens mais fortes levaram à criação de palavras, formando um vocabulário elementar e rudimentar, que, gradativamente, tornou-se mais complexo e transformou-se numa língua;
- A língua nasce das emoções, particularmente do grito (medo, surpresa ou alegria), do choro (dor, medo, compaixão) e do riso (prazer, bem-estar, felicidade).
Citando novamente Rousseau em seu “Ensaio sobre a origem das línguas”:
“Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes... Eis por que as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.”
Assim, a linguagem, nascendo das paixões, foi primeiro linguagem
figurada e por isso surgiu como poesia e canto, tornando-se prosa muito depois;
e as vogais nasceram antes das consoantes. Assim como a pintura nasceu antes da
escrita, assim também os homens primeiro cantaram seus sentimentos e só muito
depois exprimiram seus pensamentos.
Essas teorias não são excludentes. É muito possível que a linguagem
tenha nascido de todas essas fontes ou modos de expressão, e os estudos de
Psicologia Genética (isto é, da gênese da percepção, imaginação, memória,
linguagem e inteligência nas crianças) mostram que uma criança se vale de todos
esses meios para começar a exprimir-se. Uma linguagem se constitui quando passa
dos meios de expressão aos de significação, ou quando passa do expressivo ao
significativo.
Mas isso já é assunto para outro post, que esse já está bem grandinho!
Para terminar, já que a autora afirma que os homens primeiro cantaram
seus sentimentos, uma musiquinha do velho Mano Caetano que expressa muito bem
sentimentos, pensamentos e emoções acerca da nossa língua pátria, “a última flor do Lácio”, sempre citada nas nossas aulas, sejam de Linguagem ou
Filosofia!!!
Referência Bibliográfica: CHAUÍ, Marilena. "Convite à Filosofia". Rio de Janeiro. Editora Ática. 1997.
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