quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Imersa em Psicanálise

Sim, assim estou me sentindo neste segundo semestre de Psicologia.
Na disciplina de TSP II (Teorias e Sistemas Psicológicos) esta é a ênfase dos nossos estudos, especificamente uma introdução às obras de Sigmund Freud, por serem essenciais ao entendimento do que é a Psicanálise, como ela se desenvolveu e para que serve.

Começamos com um panorama sobre a vida de Freud e uma visão cronológica de sua extensa obra. Freud escreveu muito (muito trabalho à vista...). Suas primeiras publicações datam de 1895, e até poucas semanas de sua morte ele dedicava várias horas do seu dia à produção de artigos e resenhas. Seu último escrito, "Moisés e o Monoteísmo", foi concluído em 1939.

A importância de suas descobertas e a sua concepção do Inconsciente como sendo a instância primordial da formação da psique humana é indiscutível, mesmo para aqueles que não acreditam na eficácia da psicanálise enquanto "terapia". Com Freud, inagura-se o conceito de Incosciente no estudo da Psicologia, através do discentramento da racionalidade consciente (Cartesianismo), e cria-se a subjetividade inconsciente.  É certo que a psicanálise sofreu e ainda sofre muitas críticas, normalmente à alegada "pansexualização" de seus postulados. Mas ao lermos e estudarmos os textos de Freud, percebemos que, ao contrário do que prega o senso comum a cerca da psicanálise, ela não trata somente de sexo e não resume tudo a problemas da vida sexual do indivíduo. Somente aqueles que não conhecem a Psicanálise ou tem um entendimento limitado dos seus conceitos fazem essa crítica.

Os conceitos psicanalíticos de Ego e Superego (que se traduzem melhor por EU e SUPEREU), do Complexo de Édipo, de recalque, transferência e catarse, já pertencem de certo modo à cultura pop, pois mesmo quem nunca estudou psicologia, psicanálise ou qualquer outra "psicocoisa" já ouviu falar disso, já criou algum conceito e sabe (ou acha que sabe) do que se trata quando tais termos são citados. As idéias de Freud acerca do Complexo de Édipo e sua afirmação da existência de uma sexualidade infantil da qual todos somos, de alguma forma, produtos, foram e continuam sendo as mais combatidas e criticadas. "Para Freud tudo se resume a sexo", ouvimos. Antes de estudar a Psicanálise e ler um pouquinho o que o pai deste saber tem a dizer sobre o assunto, eu também fiz tal julgamento!

O entendimento freudiano de sexualidade vai além do que normalmente entendemos como "sexual", mero encontro de genitais em busca de prazer e todas as ações, movimentos, emoções, experiências que envolvem essa busca. O conceito de libido como sendo algo que nos move em busca de satisfação pode ser análogo de motivação, para dar um exemplo.E precisamos "investir libido" no mundo para fazer quase tudo, estudar, trabalhar, buscar nossos ideais e a realização dos nossos desejos, incluindo os sexuais!
  
"A psicanálise nos ensinou que são as vicissitudes da libido do indivíduo que decidem em favor da saúde ou da moléstia humana."


Através do estudo dos estados mórbidos e patológicos (como a histeria e as neuroses), Freud demonstrou que todos temos um aparelho psíquico potente, que existe em todo ser humano uma vasta área inconsciente, que talvez seja a fonte de toda a nossa vida psíquica, e que o conflito entre os nossos pensamentos e desejos inconscientes e o que é experimentado pela nossa consciência é, afinal de contas, constituinte da nossa própria condição humana.

O conceito de Inconsciente nos foi apresentado através da leitura do texto "Cinco Liçoes de Psicanálise", de 1910, uma série de conferências do Dr. Freud na Universidade de Worcester, em Massachussets, onde a psicanálise foi apresentada pela primeira vez nos Estados Unidos.  Neste texto,  ele nos diz que

"...num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um 'nada saiba' do outro, e que podem se alternar entre si em sua emersão à consciência.(...) Quando nessa divisão da personalidade a consciência fica constantemente ligada a um desses dois estados, chama-se esse o estado mental conscience e o que dela permanece separado o inconsciente."
 Esta divisão entre conteudo consciente e inconsciente da mente humana é muito importante, e quando fazemos análise (ou terapia) procuramos o auto-conhecimento através de um melhor entendimento ou o resgate mesmo dos conteúdos inconscientes da nossa mente, que podem nos gerar um sintoma (patológico) ou simplesmente sofrimento psíquico. Como o conflito e uma certa neurose fazem parte da condição humana, o acesso aos conteúdos no nosso inconsciente só pode ser benéfico, mas como alcançá-los??

Em uma de suas obras mais importantes, "A Interpretação dos Sonhos", de 1900,  Freud nos mostra que através do estudo dos sonhos podemos ter acesso aos conteúdos do nosso inconsciente que estão normalmente inacessíveis ao nosso entendimento, e através da análise de sua simbologia, encontrar significação para diversos processos mentais importantes para o nosso auto conhecimento.  Para  Freud, "a interpretação dos sonhos é na realidade a estrada real para o conhecimento do inconsciente e a base mais segura da psicanálise." Os sonhos são realizações de desejos inconscientes, e, ao serem tão semelhantes à loucura, nos fazem perceber claramente que a diferença entre um estado dito "normal"  e um estado patológico ou de sofrimento psíquico é muito tênue.
"Uma pessoa sadia é virtualmente um neurótico, só que os únicos sintomas que ela consegue produzir são os seus sonhos."
A Psicanálise nos apresenta outras formas de acesso à nossa mente inconsciente, e diversos conceitos importantes a cerca da estruturação da psique humana, mas não é o objetivo deste post esgotar o assunto ou tentar resumir tudo o que temos lido e estudado até agora.

Na verdade o que tentamos fazer é apenas uma introdução a esse estudo fascinante, que tem me dado muito prazer e me ensinado muitas coisas, apesar da nossa professora dizer que "as fichas só caem depois", que é necessário algum tempo de "digestão" da psicanálise. Então, continuaremos lendo, refletindo, digerindo, buscando um entendimento desse saber que, na minha opinião, é essencial na nossa formação em Psicologia.

Desde o início do semestre já lemos os textos "A concepção piscanalítica da perturbação psicogênica da visão", de 1910, "A Psicanálise selvagem" também de 1910, "Uma nota sobre o incosciente na psicanálise" de 1912, "Algumas lições elementares de Psicanálise", de 1940,  eu "Uma dificuldade no caminho da psicanálise", belo texto de 1917, onde Freud nos fala do narcisismo e das grandes feridas que a ciência moderna causou no narcisismo do homem, onde nos diz:
  "Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se! Então compreenderá por que está destinado a ficar doente, e talvez evite adoecer no futuro."
Muito temos ainda para ler e aprender com o Dr. Freud, o caminho é longo, mas tenho certeza que será de muitas descobertas (e polêmicas nas nossas aulas!!). Nos próximos posts, mais psicanálise (falaremos das feridas narcísicas citadas acima) e uma introdução aos mitos que deram origem a alguns conceitos psicanalíticos que estamos conhecendo neste semestre.

Links relacionados a este post:

Blog do Favre - Sobre a reedição das obras completas de Freud, com tradução atualizada.
Freud Museum (Londres)
Lista de links da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre


Referências Bibliográficas:

FREUD, S. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1996.
___________. (1900) A Interpretação dos sonhos, v.V
___________. (1910) A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão, v.XI
___________. (1910) A Psicanálise selvagem, v.XI
___________. (1912) Uma nota sobre o incosciente na psicanálise, v.XII
___________. (1917) Uma dificuldade no caminho da psicanálise, v.XVII

FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise; seleção de textos de Jayme Salomão; tradução de Durval Marcondes (et al.), São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Thank You!

Chegamos a 2000 acessos!! Nem nos meu sonhos mais loucos imaginei que tanta gente iria ler o que escrevo pra me distrair e aprender mais! Muitíssimo obrigada, isso me dá mais vontade de pensar em posts novinhos e interessantes para continuar essa brincadeira!! 

Escrever um blog é uma forma de exibicionismo, diz meu professor Pedro, e sempre que escrevemos, mesmo que sobre assuntos variados, na verdade estamos escrevendo sobre nós mesmos e "descarregando nossa libido" (entendendo libido aqui como "desejo de criação", é claro!). Então, sou muito grata por poder fazer isso e ser lida!!!!
Será que sou exibicionista?? Acho que sim, a little!!




terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sobre a Linguagem


Pessoal, nas duas últimas aulas de Linguagem do Marcelo estivemos lendo o texto de Robert J. Sternberg sobre a Natureza da Linguagem e sua Aquisição. Inspirada, resolvi estudar um pouquinho sobre o assunto e, novamente, a Tia Marilena foi de grande ajuda. Transcrevo abaixo um fragmento do capítulo 5 do "Convite à Filosofia", pois acho que completa e explica muito do que viemos discutindo em sala. Vou dividir em mais de um post porque tem muita coisa, e como tudo é muito interessante, fica difícil resumir sem perder o fio da meada!!

 
A importância da linguagem

Na abertura de sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o bom  e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores é o que torna possível a vida social e política e, dele, somente os homens são capazes.

Na mesma linha é o raciocínio de Rosseau no primeiro capítulo do "Ensaio sobre a origem das línguas":
“A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado.” (Jean-Jacques Rosseau, 1712 – 1778)
Escrevendo sobre a teoria da linguagem, o linguista Hjelmslev afirma que “a linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos”, sendo
“o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana.”
Prosseguindo em sua apreciação sobre a importância da linguagem, Rosseau considera que a linguagem nasce de uma profunda necessidade de comunicação:
“Desde que  o homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-lhes seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para isto.”
Gestos e vozes, na busca da expressão e da comunicação, fizeram surgir a linguagem.
Por seu turno, Hjelmslev afirma que a linguagem é
“o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta contra a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador.”
A linguagem, diz ele, está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda nossa vida. Ela não é um simples acompanhamento do pensamento, “mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento”, é “o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração.”

A linguagem é, assim, a forma propriamente humana da comunicação , da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.

No entanto, no diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é um pharmakon. Esta palavra grega, que em português se traduz por poção, possui três sentidos principais: remédio, veneno ou cosmético. (neste link, um site maravilhoso sobre Platão com os diálogos comentados, muito interessante - pra quem gosta da filosofia, é claro!)

Ou seja, Platão considerava que a linguagem pode ser um medicamento ou um remédio para o conhecimento, pois pelo diálogo e pela comunicação, conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, pela sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados, o que vimos ou lemos, sem que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas. Enfim, a linguagem pode ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras. A linguagem pode ser conhecimento-comunicação, mas também pode ser encantamento-sedução.


"The Tower of Babel", Brueghel, 1563 - Oil on panel, Kunsthistoriches Museum, Vienna.

Essa mesma ideia da linguagem como possibilidade  de comunicação-conhecimento e de dissimulação-desconhecimento aparece na Bíblia judaico-cristã, no mito da Torre de Babel, quando Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas diferentes, que impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os desentendimentos e guerras. A pluralidade das línguas é explicada, na Escritura Sagrada, como punição porque os homens ousaram imaginar que poderiam construir uma torre que alcançasse o céu, isto é, ousaram imaginar que teriam um poder e um lugar semelhante ao da divindade. “Que sejam confundidos”, disse Deus.

A origem da linguagem


Durante muito tempo a filosofia preocupou-se em definir a origem e as causas da linguagem.
Vaso Grego, Séc IV a.C.
 Uma primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural aos homens (é inata, existe por natureza?) ou é uma convenção social (aprendida?)? Se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional, são decisões consensuais da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias, isto é, a sociedade poderia ter escolhido outras palavras para designar as coisas.

Essa discussão levou, séculos mais tarde, à seguinte conclusão: a linguagem, como capacidade de expressão dos seres humanos, é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, isto é, surgem de condições históricas, geográfica, econômicas e políticas determinadas, ou , em outros termos, são fatos culturais. Uma vez constituída uma língua, ela se torna uma estrutura ou um sistema dotado de necessidades internas (sintaxe), passando a funcionar como se fosse algo natural, isto é, como algo que possui suas leis e princípios próprios, independentes dos sujeitos falantes que a empregam.


Perguntar pela origem da linguagem levou a quatro tipos de respostas:

  1.  A linguagem nasce por imitação, isto é, os humanos imitam, pela voz, os sons da Natureza. A origem da língua seria, portanto, a onomatopeia ou imitação dos sons animais e naturais.
  2.  A linguagem nasce por imitação dos gestos, isto é , nasce como uma espécie de pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco, o gesto passou a ser acompanhado de sons e estes se tornaram gradualmente palavras, substituindo os gestos.
  3. A linguagem nasce da necessidade: a fome, a sede, a necessidade de abrigar-se e proteger-se, a necessidade de reunir-se em grupo para defender-se das intempéries, dos animais e de outros homens mais fortes levaram à criação de palavras, formando um vocabulário elementar e rudimentar, que, gradativamente, tornou-se mais complexo e transformou-se numa língua;
  4. A língua nasce das emoções, particularmente do grito (medo, surpresa ou alegria), do choro (dor, medo, compaixão) e do riso (prazer, bem-estar, felicidade).

     Citando novamente Rousseau em seu “Ensaio sobre a origem das línguas”:

“Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes... Eis por que as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.”

Assim, a linguagem, nascendo das paixões, foi primeiro linguagem figurada e por isso surgiu como poesia e canto, tornando-se prosa muito depois; e as vogais nasceram antes das consoantes. Assim como a pintura nasceu antes da escrita, assim também os homens primeiro cantaram seus sentimentos e só muito depois exprimiram seus pensamentos.


Essas teorias não são excludentes. É muito possível que a linguagem tenha nascido de todas essas fontes ou modos de expressão, e os estudos de Psicologia Genética (isto é, da gênese da percepção, imaginação, memória, linguagem e inteligência nas crianças) mostram que uma criança se vale de todos esses meios para começar a exprimir-se. Uma linguagem se constitui quando passa dos meios de expressão aos de significação, ou quando passa do expressivo ao significativo.

Mas isso já é assunto para outro post, que esse já está bem grandinho!

Para terminar, já que a autora afirma que os homens primeiro cantaram seus sentimentos, uma musiquinha do velho Mano Caetano que expressa muito bem sentimentos, pensamentos e emoções acerca da nossa língua pátria, “a última flor do Lácio”, sempre citada nas nossas aulas, sejam de Linguagem ou Filosofia!!!


 


Referência Bibliográfica: CHAUÍ, Marilena. "Convite à Filosofia". Rio de Janeiro. Editora Ática. 1997.


domingo, 11 de setembro de 2011

Dez anos...

 "A estupidez insiste sempre." - Albert Camus


September 11th, 2001, New York City - WTC under attack, a day we'll never forget!

sábado, 10 de setembro de 2011

Princípios Gerais da Filosofia Grega sobre o Conhecimento

Ensina-nos a professora Marilena Chauí que com os filósofos gregos estabeleceram-se alguns princípios gerais do conhecimento verdadeiro, resumidos a seguir:

Ruínas Gregas, Athenas.
  As fontes e as formas de conhecimento são: a sensação, a percepção, a  imaginação,  a memória, a linguagem, o raciocínio e a intuição intelectual;  
  • Há uma distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual;
  • A linguagem tem um papel fundamental no conhecimento;
  • Existe uma grande diferença entre opinião e saber, e entre aparência e essência;
  • Há uma definição dos princípios do conhecimento verdadeiro (identidade, não-contradição, terceiro excluído), da forma do conhecimento verdadeiro (ideias, conceitos e juízos), e dos procedimentos para alcançar o conhecimento verdadeiro (indução, dedução, intuição);
  •  A distinção dos campos do conhecimento verdadeiro foi sistematizada por Aristóteles em três ramos: teorético (referente aos seres que apenas podemos contemplar ou observar, sem agir sobre eles ou neles interferir), prático (referente às ações humanas:  ética, política e economia) e técnico (referente à fabricação e ao trabalho humano, que pode interferir no curso da Natureza, criar instrumentos ou artefatos: medicina, artesanato, arquitetura, poesia, retórica, etc.).
Para os gregos, a realidade é a Natureza e dela fazem parte os humanos e as instituições humanas. Por sua participação na Natureza, os humanos podem conhece-la, pois são feitos dos mesmos elementos que ela e participam da mesma inteligência que a habita e dirige.

O poeta alemão Goethe escreveu estes versos, que exprimem como os antigos concebiam o conhecimento:

“Se os olhos não fossem solares
Jamais o Sol nós veríamos;
Se em nós não estivesse a própria força divina,
Como o divino sentiríamos?”
O intelecto humano conhece a inteligibilidade do mundo, alcança a racionalidade do real e pode pensar a realidade porque nós e ela somos feitos da mesma maneira, com os mesmos elementos e com a mesma inteligência.

Pelo menos, é assim que pensavam os primeiros filósofos. A seguir, discutiremos a teoria do conhecimento como a consideraram os filósofos modernos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Essa tal felicidade 2


Procurando motivos para ser escandalosamente feliz?? Eu estou, everyday!! Porque a vida é um eterno recomeço...

Dica de Leitura

Estou encantada com o pequeno livro "Cartas a um Jovem Terapeuta" que a nossa profe de TSPII (Psicanálise) nos indicou como leitura complementar. Comparada com o vocabulário e os termos psicanalíticos dos textos de Freud, a prosa de Calligaris é uma delícia... Não é que eu não esteja gostando do Dr. Freud, mas vamos combinar que tem coisas mais fáceis de ler! 
Neste livrinho, Contardo Calligaris nos apresenta, através de cartas escritas a dois terapeutas que estão no início da sua profissão (ou formação, não fica bem claro no texto), os dilemas da profissão e compartilha as suas experiências com muita franqueza.
Na contracapa do livro encontrei uma ótima definição (para isso se faz contracapa!): "Este livro não é um manual, mas pode ser um bom companheiro para todos aqueles que estão iniciando ou consideram iniciar sua formação de psicoterapeuta, assim como para os profissionais já atuantes e, no fundo, para qualquer um que se interesse pela psicoterapia. Se você está no início de sua vida profissional, leia para imaginar um futuro; se está no meio do caminho, leia para descobrir percursos diferentes e realinhar suas expectativas; se está mais perto do final, leia para se surpreender com quanto ainda há para ser feito, para refletir sobre sua vida pessoal e, por que não, para inventar uma nova carreira". Parece meio megalômano, mas ao ler o livro, percebo que é isso mesmo!
Um pouquinho do Calligaris para você entender melhor do que estou falando:

"(...) meu jovem amigo que pensa em ser terapeuta, se você sofre, se seus desejos são um pouco (ou mesmo muito) estranhos, se (graças à sua estranheza) você contempla com carinho e sem julgar (ou quase) a variedade das condutas humanas, se gosta da palavra e se não é animado pelo projeto de se tornar um notável de sua comunidade, amado e respeitado pela vida afora, então, bem-vindo ao clube: talvez a psicoterapia seja uma profissão para você."

Contardo Calligaris
 Mais um pouquinho:
 "Em suma, muito mais que a vontade de ensinar os outros e de mexer com suas vidas, é importante a aceitação carinhosa da variedade das vidas com todas as suas diferenças."
E além de bom escritor, ele é muito charmoso! Como já disse antes, uma verdadeira delícia! Fik a dik!

Referência Bibliográfica: CALLIGARIS, Contardo: Cartas a um jovem terapeuta. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Neuroanatomia

A cada dia fico mais curiosa para saber mais sobre os mistérios do cérebro, essa nossa "caixa preta" que guarda em si a mágica dos nossos pensamentos, cognição, sentidos e emoções.
As aulas teóricas são bem longas, e com muito conteúdo, mas o professor é excelente, e consegue tornar uma aula com muita informação leve com suas explicações e brincadeiras, hehe...

Jade e os "miolinhos"!!


E as aulas práticas tem sido bem divertidas também, nesta semana nós finalmente tivemos contato direto com os cérebros, estudando a primeira estrutura craniana, o tronco encefálico. A galera até tirou foto com as peças, como podem conferir, Jade fazendo carão ao lado dos "miolinhos", como ela mesma disse.

Tem muita coisa pra memorizar, mas é bem interessante aprender como e onde se formam os nossos reflexos (na medula) e os nossos movimentos voluntários (no córtex cerebral), e a diferença entre eles.

Na última aula também aprendemos (e vimos) onde se localiza a glândula pineal, essa estrutura quase mitológica que foi considerada por muito tempo o local onde se fundem o nosso corpo e o nosso espírito, "a morada da alma", segundo Descartes. Isso porque ela é a única estrutura ímpar do nosso cérebro, todas as demais se apresentam aos pares, ocorrendo nos dois hemisférios cerebrais. Mitologia à parte, a glândula pineal é a responsável pelo funcionamento do nosso "relógio biológico", os ciclos circadianos, pois ao produzir melantonina regula os nossos estados de sono e vigília, além de estar relacionada ao sexo e à reprodução (muito importante esta glandulazinha, né? confirmando a máxima "tamanho não é documento"!)

Abaixo reproduzo os vídeos do portal de videoaulas da UFF, que foram produzidos para os cursos de medicina e enfermagem, mas que são de grande ajuda para nós também, futuros psicólogos. As aulas que escolhi foram as da estrutura interna da medula, pois nós já vimos essas peças no laboratório e muitas das coisas que ele fala estão no nosso roteiro.

Apesar da aparência "nojentinha" das peças e o cheiro de formol do laboratório, a aula foi muito legal! Vamos ver o que nos aguarda nos próximos capítulos!!





Olha os "biscoitinhos" aí, gente (como diz o Walter!!)!!! Divirtam-se. A galerinha estava animada na aula, olha só:

Os psicoloucos do segundo semestre e o cérebro!!

 

sábado, 3 de setembro de 2011

O Conhecimento e os Primeiros Filósofos


Rafel Sanzi, "A Academia de Platão", Museu do Vaticano

Quando estudamos o nascimento da Filosofia na Grécia, vimos que os primeiros filósofos – os pré-socráticos - dedicavam-se a um conjunto de indagações principais: Por que e como as coisas existem? O que é o mundo? Qual a origem da Natureza e quais as causas de sua transformação? Essas indagações colocava no centro a pergunta: o que é o Ser?

A palavra ser em português traduz a palavra latina esse e a expressão grega ta onta. A palavra latina esse é o infinitivo de um verbo, o verbo ser. A palavra grega ta onta quer dizer: as coisas existentes, os entes, os seres. No singular, ta onta se diz to on, que é traduzida por: o ser. Os primeiros filósofos ocupavam-se com a origem e a ordem do mundo, o Kosmos, e a filosofia nascente era uma cosmologia. Pouco a pouco, passou-se a indagar o que era o próprio Kosmos, qual era o fundo eterno e imutável que permanecia sob a multiplicidade e transformação das coisas. Qual era e o que era o ser subjacente a todos os seres. Com isto, a filosofia nascente tornou-se ontologia, isto é, conhecimento ou saber sobre o ser. (Ao ler isso me pergunto: então a Psicologia seria uma ontologia, já que propõe um entendimento sobre o ser humano, sobre o sujeito do conhecimento?? Fica a questão...)

Por esse mesmo motivo, considera-se que os primeiros filósofos não tinham uma preocupação principal como o conhecimento enquanto conhecimento, isto é, não indagavam se podemos ou não conhecer o Ser, mas partiam da pressuposição de que o podemos conhecer, pois a verdade, sendo aletheia, isto é, presença e manifestação das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o Ser está manifesto e presente para nós, e, portanto, nós o podemos conhecer.

Todavia, a opinião de que os primeiros filósofos não se preocupavam com a nossa capacidade e possibilidade de conhecimento não é exata. Para tanto, basta levarmos em conta o fato de afirmarem que a realidade (o Ser, a Natureza) é racional e que a podemos conhecer porque também somos racionais; a nossa razão é parte da racionalidade do mundo, dela participando.

Alguns dos primeiros filósofos preocupavam-se com a questão do conhecimento, como Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e Demócrito de Abdera. Vamos resumir brevemente algumas de suas ideias principais.


Heráclito no detalhe do afresco de Rafael, "A Academia de Platão"
Pouco se sabe sobre a vida de Heráclito. É consenso que nasceu em Éfeso e pertencia à família real dessa cidade. Sua obra constitui-se de uma série de frases isoladas que foram consideradas durante muito tempo fragmentos de um texto original.
Heráclito considerava a Natureza (o mundo, a realidade) como um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo dos seres em mudança perpétua. Dizia: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos.” Comparava o mundo à chama de uma vela que queima sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido seca e tudo se transforma no seu contrário. (esta ideia me fez lembrar do conceito de devir que discutmos na aula de História da Filosofia!!)
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, que não cessam de se transformar uns nos outros. Se tudo não cessa de se transformar perenemente, como explicar que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradouras e permanentes? Com essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento alcança a verdade como mudança contínua.


Parmênides na "Academia"
Parmênides colocava-se na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o pensamento não pode pensar sobre coisas que são e não são,  que ora são de um modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias.
Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? Como pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides. Pensar é dizer o que um ser é em sua identidade profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito – perceber e pensar são diferentes –, mas o dizia no sentido oposto ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis.


Demócrito desenvolveu uma teoria sobre o Ser ou sobre a Natureza conhecida pelo nome de atomismo: a realidade é constituída por átomos. A palavra átomo tem origem grega e significa: o que não pode ser contado ou dividido, isto é, a menor partícula indivisível de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e morrem por separação destes.
Através dos nossos órgãos dos sentidos, percebemos o quente e o frio, o doce e o amargo, o seco e o úmido, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores, odores, texturas e assim por diante, sentimos prazer e dor, porque percebemos os efeitos das combinações dos átomos que, em si mesmos, não possuem tais qualidades.

"Heráclito e Demócrito", Rubens


Somente o pensamento pode conhecer os átomos, que são invisíveis para a nossa percepção sensorial. Dessa maneira, Demócrito concordava com Heráclito e Parmênides em que há uma diferença entre o que conhecemos através de nossa percepção e o que conhecemos pelo pensamento; porém, diversamente dos outros dois filósofos, não considerava a percepção ilusória, mas apenas um efeito da realidade sobre nós. O conhecimento sensorial ou sensível é tão verdadeiro quanto aquilo que o pensamento puro alcança, embora de uma verdade diferente e menos profunda ou menos relevante do que aquela alcançada pelo puro pensamento.

Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença entre perceber e pensar. Pensamos a partir do que percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O modo como os seres nos aparecem é o modo como os seres realmente são?
A Filosofia, desde então, vem se preocupando com essas questões, que na Grécia levaram a duas atitudes filosóficas distintas, a dos sofistas e a de Sócrates, quando os problemas do conhecimento tornaram-se centrais. Mas isso já é assunto para outro capítulo da nossa “saga”!

Para uma reflexão final, algumas frases atribuídas a Demócrito de Abdera:
"Na realidade, não conhecemos nada, pois a verdade está no íntimo."
"A amizade de um único ser humano inteligente é melhor do que a amizade de todos os insensatos."
"O caráter de um homem faz o seu destino."

Referências Bibliográficas: 
CHAUÍ, Marilena. "Convite à Filosofia". Rio de Janeiro. Editora Ática. 1997. 
OS PRÉ-SOCRÁTICOS: fragmentos, doxografia e comentários/ seleção de textos e supervisão do Prof. JOSÉ CAVALCANTE DE SOUZA; dados biográficos de REMEMBERTO FRANCISCO KUHNEN; traduções de José Cavalcante de Souza...(et al). 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)