Sim, assim estou me sentindo neste segundo semestre de Psicologia.
Na disciplina de TSP II (Teorias e Sistemas Psicológicos) esta é a ênfase dos nossos estudos, especificamente uma introdução às obras de Sigmund Freud, por serem essenciais ao entendimento do que é a Psicanálise, como ela se desenvolveu e para que serve.
Começamos com um panorama sobre a vida de Freud e uma visão cronológica de sua extensa obra. Freud escreveu muito (muito trabalho à vista...). Suas primeiras publicações datam de 1895, e até poucas semanas de sua morte ele dedicava várias horas do seu dia à produção de artigos e resenhas. Seu último escrito, "Moisés e o Monoteísmo", foi concluído em 1939.
A importância de suas descobertas e a sua concepção do Inconsciente como sendo a instância primordial da formação da psique humana é indiscutível, mesmo para aqueles que não acreditam na eficácia da psicanálise enquanto "terapia". Com Freud, inagura-se o conceito de Incosciente no estudo da Psicologia, através do discentramento da racionalidade consciente (Cartesianismo), e cria-se a subjetividade inconsciente. É certo que a psicanálise sofreu e ainda sofre muitas críticas, normalmente à alegada "pansexualização" de seus postulados. Mas ao lermos e estudarmos os textos de Freud, percebemos que, ao contrário do que prega o senso comum a cerca da psicanálise, ela não trata somente de sexo e não resume tudo a problemas da vida sexual do indivíduo. Somente aqueles que não conhecem a Psicanálise ou tem um entendimento limitado dos seus conceitos fazem essa crítica.
Os conceitos psicanalíticos de Ego e Superego (que se traduzem melhor por EU e SUPEREU), do Complexo de Édipo, de recalque, transferência e catarse, já pertencem de certo modo à cultura pop, pois mesmo quem nunca estudou psicologia, psicanálise ou qualquer outra "psicocoisa" já ouviu falar disso, já criou algum conceito e sabe (ou acha que sabe) do que se trata quando tais termos são citados. As idéias de Freud acerca do Complexo de Édipo e sua afirmação da existência de uma sexualidade infantil da qual todos somos, de alguma forma, produtos, foram e continuam sendo as mais combatidas e criticadas. "Para Freud tudo se resume a sexo", ouvimos. Antes de estudar a Psicanálise e ler um pouquinho o que o pai deste saber tem a dizer sobre o assunto, eu também fiz tal julgamento!
O entendimento freudiano de sexualidade vai além do que normalmente entendemos como "sexual", mero encontro de genitais em busca de prazer e todas as ações, movimentos, emoções, experiências que envolvem essa busca. O conceito de libido como sendo algo que nos move em busca de satisfação pode ser análogo de motivação, para dar um exemplo.E precisamos "investir libido" no mundo para fazer quase tudo, estudar, trabalhar, buscar nossos ideais e a realização dos nossos desejos, incluindo os sexuais!
"A psicanálise nos ensinou que são as vicissitudes da libido do indivíduo que decidem em favor da saúde ou da moléstia humana."
Através do estudo dos estados mórbidos e patológicos (como a histeria e as neuroses), Freud demonstrou que todos temos um aparelho psíquico potente, que existe em todo ser humano uma vasta área inconsciente, que talvez seja a fonte de toda a nossa vida psíquica, e que o conflito entre os nossos pensamentos e desejos inconscientes e o que é experimentado pela nossa consciência é, afinal de contas, constituinte da nossa própria condição humana.
O conceito de Inconsciente nos foi apresentado através da leitura do texto "Cinco Liçoes de Psicanálise", de 1910, uma série de conferências do Dr. Freud na Universidade de Worcester, em Massachussets, onde a psicanálise foi apresentada pela primeira vez nos Estados Unidos. Neste texto, ele nos diz que
"...num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um 'nada saiba' do outro, e que podem se alternar entre si em sua emersão à consciência.(...) Quando nessa divisão da personalidade a consciência fica constantemente ligada a um desses dois estados, chama-se esse o estado mental conscience e o que dela permanece separado o inconsciente."
Esta divisão entre conteudo consciente e inconsciente da mente humana é muito importante, e quando fazemos análise (ou terapia) procuramos o auto-conhecimento através de um melhor entendimento ou o resgate mesmo dos conteúdos inconscientes da nossa mente, que podem nos gerar um sintoma (patológico) ou simplesmente sofrimento psíquico. Como o conflito e uma certa neurose fazem parte da condição humana, o acesso aos conteúdos no nosso inconsciente só pode ser benéfico, mas como alcançá-los??
Em uma de suas obras mais importantes, "A Interpretação dos Sonhos", de 1900, Freud nos mostra que através do estudo dos sonhos podemos ter acesso aos conteúdos do nosso inconsciente que estão normalmente inacessíveis ao nosso entendimento, e através da análise de sua simbologia, encontrar significação para diversos processos mentais importantes para o nosso auto conhecimento. Para Freud, "a interpretação dos sonhos é na realidade a estrada real para o conhecimento do inconsciente e a base mais segura da psicanálise." Os sonhos são realizações de desejos inconscientes, e, ao serem tão semelhantes à loucura, nos fazem perceber claramente que a diferença entre um estado dito "normal" e um estado patológico ou de sofrimento psíquico é muito tênue.
"Uma pessoa sadia é virtualmente um neurótico, só que os únicos sintomas que ela consegue produzir são os seus sonhos."
A Psicanálise nos apresenta outras formas de acesso à nossa mente inconsciente, e diversos conceitos importantes a cerca da estruturação da psique humana, mas não é o objetivo deste post esgotar o assunto ou tentar resumir tudo o que temos lido e estudado até agora.
Na verdade o que tentamos fazer é apenas uma introdução a esse estudo fascinante, que tem me dado muito prazer e me ensinado muitas coisas, apesar da nossa professora dizer que "as fichas só caem depois", que é necessário algum tempo de "digestão" da psicanálise. Então, continuaremos lendo, refletindo, digerindo, buscando um entendimento desse saber que, na minha opinião, é essencial na nossa formação em Psicologia.
Desde o início do semestre já lemos os textos "A concepção piscanalítica da perturbação psicogênica da visão", de 1910, "A Psicanálise selvagem" também de 1910, "Uma nota sobre o incosciente na psicanálise" de 1912, "Algumas lições elementares de Psicanálise", de 1940, eu "Uma dificuldade no caminho da psicanálise", belo texto de 1917, onde Freud nos fala do narcisismo e das grandes feridas que a ciência moderna causou no narcisismo do homem, onde nos diz:
"Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se! Então compreenderá por que está destinado a ficar doente, e talvez evite adoecer no futuro."
Muito temos ainda para ler e aprender com o Dr. Freud, o caminho é longo, mas tenho certeza que será de muitas descobertas (e polêmicas nas nossas aulas!!). Nos próximos posts, mais psicanálise (falaremos das feridas narcísicas citadas acima) e uma introdução aos mitos que deram origem a alguns conceitos psicanalíticos que estamos conhecendo neste semestre.
Links relacionados a este post:
Freud Museum (Londres)
Lista de links da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre
Referências Bibliográficas:
FREUD, S. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1996.
___________. (1900) A Interpretação dos sonhos, v.V
___________. (1910) A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão, v.XI
___________. (1910) A Psicanálise selvagem, v.XI
___________. (1912) Uma nota sobre o incosciente na psicanálise, v.XII
___________. (1917) Uma dificuldade no caminho da psicanálise, v.XVII
FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise; seleção de textos de Jayme Salomão; tradução de Durval Marcondes (et al.), São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)