No curso da disciplina Teorias e Tècnicas Psicoterápicas, ministrada pela Profa. Patrícia Lima, a querida Ticha, nós
tivemos uma introdução aos princípios de algumas técnicas utilizadas na prática
clínica, e dentre estas, a Gestalterapia. Nos foi proposta a leitura do livro
de Jean Juliano, “A Arte de Restaurar Histórias”, uma reflexão sobre a
experência da autora em anos de prática psicoterápica utlizando as técnicas da
Gestalterapia, com o intuito de tentar responder a pergunta: O que é ser
terapeuta?
Já no título da
obra podemos perceber que, segundo a autora, o papel do terapeuta é restaurar
histórias individuais esfaceladas e/ou incompletas, desordenadas, utilizando
técnicas que priorizam o diálogo e a interação cliente/terapeuta – o contato,
um dos conceitos apresentados pela Gestalterapia – no espaço criado na terapia.
Interessante
observar que a autora faz uma analogia do trabalho de psicoterapia com
elementos da vida diária normalmente muito significativos, como cozinhar ou
costurar uma colcha de retalhos, aproximando assim a atividade terapêutica da
vida quotidiana, e não algo “estranho” ou excepcional da vida do sujeito, ou
uma atividade que não deva ser discutida. Esta analogia faz muito sentido, pois
somente através da própria experiência do fazer, do estar presente por inteiro
em tais atividades é que se consegue “terminar” o trabalho e formar uma coisa
nova, uma nova imagem, uma nova forma, com as “partes” iniciais, a princípio
desconexas e sem sentido.
Entendemos que, de
acordo com a autora, o ofício do psicoterapeuta é “resignificar”, dar novo
sentido para a história pessoal dos indivíduos. Para Jean, a tarefa do
terapeuta é olhar para os “retalhos de histórias” que são trazidos para o
espeço da terapia e recompô-los, reorganizá-los, “ensaiar novas percepções e
dar outras perspectivas” às questões levantadas pelo cliente.
Para a autora o
psicoterapeuta é um “guardador de histórias” que são postas em sua guarda nos
momentos em que o cliente não tem espaço “ou possibilidade de permanecer com
elas em um determinado momento”, até que o cliente esteja pronto para levá-las
consigo novamente e então transformá-las em algo diferente, novo e que faça
sentido na sua vida.
Ao discutir o
processo terapêutico, a autora afirma que “o processo de crescimento e expansão
da consciência é, em parte, autônomo”,ou seja, só se concretiza a partir de um
esforço do próprio indivíduo, e só por ele pode ser levado a cabo. Mas é muito
importante saber que o espaço terapêutico existe e está ali para auxiliar-nos,
guiar-nos rumo a esse crescimento, através da possibilidade de fala do cliente
e da escuta atenta do terapeuta. Jean vem nos dizer que “cabe ao psicoterapeuta
e ao cliente aprender a dar pasagem, a compreender e cooperar com esse
processo.” Este ponto é muito importante para o entendimento do que é ser
terapeuta, pois esta acolhida de olhos e ouvidos atentos ao mundo apresentado
pelo cliente na terapia é o real “retornar as coisas mesmas” e estar inteiro no
momento presente que nos fala a base fenomenológica da gestalterapia, o próprio
conceito de contato e de “estar no mundo”. Ao adotar uma postura atenta,
curiosa, aberta à “novidade do mundo”, o
terapeuta se coloca como um acompanhante ou guia de uma jornada pessoal do
cliente,muitas vezes dolorosa e sofrida, a qual seria muito árida se
atravessada sozinho.
Vemos então que, como bem coloca a autora, que o trabalho em Gestalt
representa uma postura diante da vida, pois essa interação que acontece no
espaço terapêutico não é exclusividade do mesmo, e nem poderia ser, pois o
gestalterapeuta tende a levar sua maneira de entender o mundo, de se colocar em
contato com “a pessoa do outro na sua singularidade, sem pré-concepção de
qualquer ordem” A terapia pode então ser entendida como um processo contínuo
onde homem e mundo se transformam.
A técnica do trabalho em Gestalterapia:
A autora apresenta
alguns pressupostos básicos para a eficiência do trabalho com a Gestalterapia,
uma linha de terapia clínica de cunho fenomenológico-existencialista, que
utiliza conceitos da Gestalt, como a Lei da Boa Forma, para entender a
percepção. Segundo essa lei, a nossa
percepção tenta organizar “as figuras”, ou partes de uma figura da melhor forma
possível. A Gestalterapia “toma emprestado” esse conceito e vai dizer que não
somente nossa percepção acontece assim, mas também as experiências da nossa
consciência e nossos fatos psíquicos, ou seja, tentamos organizar a nossa
experiência de “estar no mundo” da
melhor forma possível.
Portanto, a
Gestaterapia enfatiza a percepção sensorial e o fluxo e direção da energia
corporal, onde o terapeuta procura focar sua atenção para o momento da troca
com o cliente, analisando sua postura, seu ritmo respiratório, a situação
psicológica do momento vivido, assim como também suas vivências anteriores.
Deve ter sua atenção centrada no conteúdo relatado, mas também em como o
cliente se narra (foco duplo), pois “o foco do trabalho reside na estrutura da
experiência, no como da interação em processo”.
É importante também
observar que o objetivo do trabalho em Gestalt é restaurar a qualidade do
contato do indivíduo com o mundo, daí a importância da criação de um contexto
adequado para a terapia. O terapeuta deve criar condições para que o cliente
experimente novas maneiras de perceber o mundo, e que possa ensaiar novas
formas de diálogo. Isso pode ser alcançado através da utilização de alguns
“experimentos”, que são atividades propostas na terapia com objetivo de
aumentar a “awareness” do cliente perante as situações trazidas ao foco do
processo terapêutico.
Para que tais
“experimentos” e resignificação das experiências sejam possíveis, é fundamental
o suporte pessoal do terapeuta, que deverá estar aberto ao trabalho da terapia
tanto quanto o cliente, e colocando sua energia disponível para este processo.
Isso implica em uma presença de qualidade da parte do terapeuta, uma “atitude
descontraída e atenta”, para que possibilite a “observação do fenômeno tal e
qual ele se apresenta, e é, mais do que aquilo que foi ou que poderia ser.”
A autora nos diz
que “a escuta interessada do terapeuta é curativa por si só”, e com isso
podemos sintetizar a importância do trabalho do gestalterapeuta, que se
apresenta como ouvinte interessado e atento, um facilitador para as que as
transformações em curso no trabalho psicoterápico se dêm da forma mais
significativa e eficiente possível. Pensamos que ser terapeuta, como nos diz
Jean, é ser um mestre na arte de restaurar/resignificar histórias, sempre
lembrando que ao estarmos ali, em contato com uma pessoa humana, somos só outra
pessoa humana, e a qualidade desse contato é a matéria mesma de que a vida é
feita.
Sites interessantes sobre Gestalt e Gestalterapia:
Link para o livro de Franz Perls, "Gestalt-terapia Explicada", no Google Books
Instituto de Gestalterapia, Rio de Janeiro, RJ
Núcleo de Gestalt Terapia Integrada, Campinas, SP
Psicologia e Saúde, O que é Gestalterapia
Gestalt em Movimento, Maringá, PR
Muito bom...
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